Com três anos de inauguração completados neste mês, a Ponte Anita Garibaldi, em Laguna, ainda é pauta nos tribunais. Tanto o município quanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT se negam a assumir a responsabilidade pelo pagamento da conta de luz do mais novo cartão-postal catarinense.
Enquanto isso, a Celesc não tem de quem cobrar a conta pelo fornecimento de energia elétrica, que já passa dos R$ 475 mil. A empresa está impedida pela Justiça de cortar a luz da ponte, mesmo que ninguém esteja pagando.
O Judiciário já decidiu que a prefeitura de Laguna deve arcar com a conta. A justificativa é que cabe ao ente municipal o recolhimento da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – Cosip, enquanto a União não arrecada nenhum tributo para este fim. Este também é o entendimento interno da Celesc.
“Para nós, é indiferente quem vai pagar. O mais importante é que alguém tenha um contrato e que arque com essa despesa ao menos daqui para a frente. Depois, trabalharemos para recolher o valor retroativo”, explica o gerente comercial da Celesc em Tubarão, Ivécio Pedro Felisbino Filho.
Três ações ajuizadas
O número de ações ajuizadas envolvendo o pagamento da conta de luz da ponte já chega a três (veja os detalhes abaixo). A disputa envolve a própria Celesc, a prefeitura de Laguna, o DNIT, a União e o Ministério Público. Todos os processos já têm decisão judicial e estão com recursos sob análise por tribunais em segunda instância e no Supremo Tribunal Federal – STF.
Até agora, as decisões foram todas favoráveis ao DNIT. Mas o município de Laguna ganhou um aliado inesperado no fim do ano passado. A Procuradoria-Geral da República – PGR emitiu parecer ao STF orientando que a União assuma a conta. Como não tem poder de decisão, a manifestação da PGR não mudou nada na prática, embora tenha sido comemorado como uma vitória na sala da Procuradoria-Geral do Município.
“Em momento algum a prefeitura foi consultada sobre o projeto. Se soubéssemos que essa conta viria para cá, com certeza iríamos preferir um sistema de iluminação mais modesto, que não onere tanto o contribuinte de Laguna”, argumenta o advogado Adriano Massih, procurador do município.
Impacto aos lagunenses
A preocupação é que a população de Laguna sinta no bolso o impacto da conta de luz da ponte. A prefeitura teria um consumo adicional de aproximadamente 25 megawatts-hora (MWh), que se somariam aos atuais 430 MWh da iluminação pública lagunense – um aumento de 6%. A Cosip teria que aumentar, em média, R$ 0,50 por unidade consumidora para dar conta de manter a estrutura iluminada, sem contar os valores retroativos.
Por isso, mesmo que o STF reitere as decisões favoráveis ao DNIT e à União, o município de Laguna argumenta que tentará todos os recursos legais possíveis para buscar a reversão. Procurado pela reportagem, o DNIT reforçou, em nota, que todas as decisões judiciais têm sido favoráveis ao órgão federal e afirmou que “a lei determina que a conta da iluminação pública é de responsabilidade do município”.
Em busca de solução para iluminação incompleta
A chamada “iluminação cênica” da Ponte Anita Garibaldi, que evidencia os estaios e dá mais beleza à estrutura à noite, não funciona totalmente. Um dos mastros centrais está no escuro. Segundo o DNIT, isso se deve à presença de ratos, que roeram a fiação. Uma empresa foi contratada pelo órgão federal para fazer a desratização, trabalho que segue até outubro. O conserto da iluminação também está sendo agendado.
Energia termossolar
Duas empresas contratadas pela Eletrosul trabalham desde março na elaboração de um projeto de usina termossolar em Laguna. A expectativa do município é que o empreendimento gere energia elétrica suficiente para a iluminação da Ponte Anita Garibaldi enquanto estiver em operação.
A principal finalidade do protótipo, no entanto, é outra: avaliar a eficiência e a viabilidade desse tipo de geração de energia. A eletricidade gerada será lançada na rede como crédito ao município, que poderá usar para compensar o consumo da ponte.
A usina será construída na localidade de Caputera, às margens da BR-101. As empresas Eudora Energia e Facto Energy foram contratadas em março para trabalhar no projeto. Essa será a primeira usina termossolar no Sul do país. O investimento previsto é de R$ 16,5 milhões, com recursos do programa de pesquisa e desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel.
A PONTE EM NÚMEROS
182 postes de iluminação
61 KW de carga instalada
25 MWh de consumo mensal médio
R$ 13 mil, aproximadamente, é o custo mensal da conta de luz
Investimentos:
R$ 777 milhões na construção da ponte
R$ 3 milhões no sistema de iluminação
NA JUSTIÇA
Confira as ações judiciais que envolvem a conta de luz da Ponte Anita Garibaldi:
– Ação civil pública na 2ª Vara Cível de Laguna
Partes: ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina contra a Celesc.
Pedido: que a Celesc seja impedida de cortar a energia elétrica para a iluminação da ponte mesmo com os atrasos nos pagamentos.
Decisão: o juiz Renato Müller Bratti determinou que a Celesc mantenha o fornecimento de energia para a ponte.
Recursos: a Celesc apresentou um recurso, mas o Tribunal de Justiça não o julgou ainda.
– Ação ordinária na 1ª Vara Federal de Laguna
Partes: ajuizada pelo município de Laguna contra a União e o DNIT.
Pedido: que a União e o DNIT sejam responsabilizados pelo pagamento da conta de luz da ponte.
Decisão: o juiz Timoteo Rafael Piangers negou o pedido feito pelo município.
Recursos: o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou o recurso do município e manteve a decisão do juiz. O município recorreu ao STF, que ainda não julgou. A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer favorável à prefeitura de Laguna, mas não tem o poder de decidir. O ministro Gilmar Mendes é o relator.
– Ação ordinária na 1ª Vara Federal de Laguna
Partes: ajuizada pelo DNIT contra o município de Laguna e a Celesc.
Pedido: que o município de Laguna seja obrigado a assumir a responsabilidade pela conta de luz da ponte e a Celesc mantenha o fornecimento até o julgamento do processo.
Decisão: o juiz Timoteo Rafael Piangers reconheceu que o município de Laguna é o responsável pela manutenção e pela conta de luz da ponte.
Recursos: o município recorreu, mas o TRF4 ainda não julgou o recurso.
LINHA DO TEMPO
2005 – As obras de duplicação do trecho Sul da BR-101 tinham início. A travessia sobre o Canal de Laranjeiras era um dos principais gargalos a serem resolvidos na região. No verão, era comum que motoristas tivessem que encarar um calvário de mais de cinco horas em congestionamentos que superavam os 20 quilômetros no local.
2011 – O DNIT publica a licitação para a construção da ponte. A obra foi orçada pelo órgão em R$ 605,4 milhões – a menor proposta foi de R$ 597,1 milhões. Os vencedores da licitação foram as empresas Camargo Corrêa, M. Martins e Construbase, que formaram um consórcio. No mesmo ano, o deputado federal Ronaldo Benedet (PMDB) protocolou o projeto de lei para nomear a estrutura como Ponte Anita Garibaldi.
2012 – A então presidente da República, Dilma Rousseff (PT), veio a Santa Catarina para entregar a ordem de serviço. O prazo contratual da obra era de três anos. Os trabalhos ocorreram com alguns percalços, mas sem atrasos significativos. O custo, porém, aumentou em 28% além do orçado inicialmente pelo DNIT, chegando a R$ 777 milhões.
2015 – A Ponte Anita Garibaldi foi inaugurada em solenidade que contou com a presença da presidente Dilma, no dia 15 de julho. Cinco dias depois, começava uma discórdia: o superintendente regional do DNIT, Vissilar Preto, encaminhou um ofício ao então prefeito de Laguna, Everaldo dos Santos (PMDB), solicitando que o município pedisse à Celesc a ligação definitiva da energia elétrica e assumisse com as despesas a partir do dia 18 de agosto daquele ano.
2018 – Ponte Anita Garibaldi completa três anos cumprindo a função de facilitar o fluxo na BR-101. A pendência da conta de luz, porém, não foi resolvida.
Com informações de Renan Medeiros / NSC Total