Trabalhadores saem do Nordeste do Brasil atraídos por falsas promessas de emprego nas plantações de cebola, em Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí.
A quantidade de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão disparou em Santa Catarina em 2020. Enquanto o número chegou a 66 somando os casos de 2018 e 2019, somente este ano já são 55 pessoas encontradas em condições de trabalho irregulares no Estado. Todos os flagrantes ocorreram em Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí, entre o fim de junho e o início de setembro. A maioria dos trabalhadores veio do sertão nordestino atraída por falsas propostas de emprego nas plantações de cebola.
“Quando essas pessoas chegavam aqui a situação era bem diferente da prometida. O pagamento não era o combinado, tinham que arcar com as despesas da viagem, o que por lei é responsabilidade do empregador, existia a cobrança da alimentação, alojamento totalmente inadequado, o que caracteriza o trabalho análogo à escravidão”, relata o procurador Acir Alfredo Hack, do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina.
Capital Nacional da Cebola
Ituporanga é a segunda maior cidade da região do Alto Vale do Itajaí, com 25.355 habitantes de acordo com a estimativa do IBGE divulgada em 2020. O município ostenta o título de Capital Nacional da Cebola e é o maior produtor em Santa Catarina. São aproximadamente 120 mil toneladas ao ano, o suficiente para abastecer cerca de 10% do mercado brasileiro.
Segundo Claudinei Kurtz, agrônomo da Epagri, a cultura movimentou no ano passado cerca de R$ 600 milhões no Estado. Destes, R$ 400 milhões somente em Ituporanga e outras cidades da região do Alto Vale, onde se concentram 15 dos 19 mil hectares de plantações de cebola em Santa Catarina.
“O que demanda mais mão de obra é o transplante, que consiste em colocar as mudas na terra. Normalmente se precisa de 30 dias de uma pessoa para o plantio de um hectare, em média. Claro que isso vai depender do tipo de solo, sistema de preparo e da habilidade das pessoas que estão fazendo essa operação”, explica o especialista, dando uma dimensão da necessidade de trabalhadores no cultivo.
Relembre os casos
O problema é que alguns produtores ignoram a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e o CPB (Código Penal Brasileiro). O Portal de Inspeção do Trabalho reúne dados dessa realidade no Brasil desde 1995 e mostra que não é a primeira vez que casos de exploração acontecem em Ituporanga. Em 2013, uma operação resultou no resgate de 21 pessoas em condição análoga à escravidão. De lá para cá não havia mais registros oficiais de que a situação tivesse se repetido na cidade.
“Talvez levados por uma interpretação errada de que a fiscalização não iria efetuar diligências nessa época por causa da pandemia e também levados por um discurso de neoliberalismo, de que os direitos dos trabalhadores seriam os mínimos a serem protegidos nesse governo federal, tiveram a falsa ideia de que poderiam fazer essas contratações e que não seriam punidos. Essas pessoas não recebiam equipamento de proteção individual, não era feito o registro. Eram levados à própria sorte, como nos séculos passados”, afirma o procurador Hack.
Presidente da Associação de Produtores de Cebola de Santa Catarina, Dirceu Schmidt mostra receio quanto aos impactos econômicos desses episódios. Segundo ele, nenhum comprador questionou, até o momento, os casos que se tornaram públicos, mas existe um temor em relação ao apoio do governo federal.
“Isso preocupa porque a cebola é o carro-chefe da movimentação econômica da região e aqui a maioria dos produtores busca financiamento através do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Todo ano muda-se o Plano Safra e é destinado mais ou menos recurso. Daqui a pouco o governo diz: ‘lá tem trabalho escravo, então não tem mais cebola na linha de financiamento do Pronaf’. Aí acaba afetando todo o movimento financeiro da região”, avalia o dirigente da entidade.
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Uma comissão chegou a ser criada em Ituporanga na tentativa de buscar alternativas que garantam os direitos dos trabalhadores, como a criação de um alojamento conjunto. Mas, enquanto não se encontra nenhuma solução efetiva para o problema, o Ministério Público do Trabalho se dedica a garantir os salários, o pagamento do Seguro Desemprego de Trabalhador Resgatado e a volta à cidade de origem.
“Nós queremos que o produtor rural ganhe dinheiro para que a gente se torne uma nação desenvolvida, mas que também pague o mínimo necessário. Dê condições para o trabalhador, que é o que está na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)”, destaca o procurador Acir Alfredo Hack, representante da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo em Santa Catarina.