Levantamento é do Conselho Federal de Medicina e da ONG Contas Abertas
Um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em parceria com a organização não governamental Contas Abertas, mostra que o setor público gastou no ano passado R$ 3,83 per capita por dia com a saúde dos brasileiros.
O valor, segundo o estudo, inclui todas as ações e serviços públicos de saúde declarados pelas três esferas de governo – municipal, estadual e federal. São contabilizados, por exemplo, o custeio da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o pagamento de funcionários. Não entram na conta gastos com pensões de servidores inativos ou com treinamentos, de acordo com o conselho.
Pelo cálculo feito pelo CFM a partir dos dados oficiais, o gasto por habitante com saúde no país foi de R$ 1.398,53 no ano passado, quantia levemente acima dos R$ 1.382,29 registrados em 2018, quando o gasto per capita diário ficou em R$ 3,79. Há 12 anos, esse indicador fica na casa dos R$ 3.
No total, o setor público gastou com saúde no ano passado a cifra de R$ 292,5 bilhões, valor que é considerado abaixo do ideal pelo presidente do CFM, Mauro Ribeiro. O subfinanciamento acaba se refletindo em indicadores sanitários ruins e em más condições de trabalho, avaliou o médico.
No material de divulgação do levantamento, o presidente do CFM destacou que a falta de recursos torna-se mais grave diante do aumento, nos últimos anos, da demanda por serviços públicos de saúde, em especial devido à incidência crescente de doenças crônicas na população.
“Além disso, o aumento da população de desempregados, que fez com que 3,5 milhões de brasileiros abandonassem os planos de saúde, especialmente a partir de 2014, repercute na procura por atendimento em cuidados básicos e ambulatoriais na rede pública”, acrescentou Ribeiro.
Mundo
No relatório, o CFM compara as cifras brasileiras com as de cinco países que também adotam como modelo o atendimento universal de saúde: a Argentina, o Canadá, a Espanha, França e o Reino Unido.
Com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2017, o conselho destaca que, entre esses países, o Brasil é o que tem o menor gasto per capita com saúde pelo setor público, de US$ 389 anuais. Na Argentina, por exemplo, esse valor chega a US$ 959.
Ainda assim, os gastos totais com saúde no Brasil correspondem a 9,47% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar similar ao dos demais países. O CFM destaca, porém, que menos da metade desse volume (41,9%) diz respeito a gastos do setor público, sendo as famílias responsáveis por desembolsar o restante no setor privado. Nos outros cinco países comparados, a fatia do governo fica acima de 70%.
Em entrevista coletiva por videoconferência, o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Donizetti Giamberardino, disse que a baixa presença do setor público nos gastos com saúde demonstra que o Brasil está longe de concretizar o modelo universal preconizado pela Constituição de 1988.
“Para a nossa proposta de universalização da saúde, o dinheiro é insuficiente. Ao mesmo tempo, temos problema de gestão e corrupção”, disse Giamberardino. “Há uma lógica de não investir, isso é muito cruel porque nosso pais é enorme, muito excludente, e não tem uma política para reduzir essa desigualdade”, acrescentou o médico. Ele defendeu que o SUS tenha um orçamento “coerente com os seus propósitos”.
Estados e municípios
O levantamento do CFM mostra que nos últimos 11 anos vem aumentando a presença dos municípios nos gastos com saúde, ao mesmo tempo em que cai a do governo federal. O gasto dos estados tem permanecido estável.
Em 2019, os municípios foram responsáveis por 31,3% dos gastos com saúde. Em 2009, essa fatia era de 27,6%. No ano passado, a União, que faz a aquisição da maior parte dos medicamentos e vacinas, foi responsável por 42,4% dos gastos, abaixo dos 46% registrados em 2009.
A média nacional de gastos per capita das prefeituras com saúde em todo o ano de 2019 foi R$ 490,72. Entre as capitais, o maior gasto per capita anual no ano passado foi registrado em Teresina (R$ 703,76), seguida por São Paulo (R$ 673,71) e Vitória (R$ 667,71). Os menores gastos per capita foram em Salvador (R$ 275,66), Rio Branco (R$ 255,76) e Macapá (R$173,74).
Devido aos repasses federais e à população baixa, o maior gasto anual per capita no Brasil (R$ 809,25, em média) é dos municípios pequenos, com até 5 mil habitantes. Nos municípios acima de 400 mil habitantes, a média per capita anual é de R$ 493,52.
Os municípios que registram o menor gasto anual per capita com saúde ficam no Pará: Cametá, (134 mil hab), com R$ 69,72; e Muaná (39 mil hab), com R$ 77,44. O estado é também onde se gasta menos com saúde entre as 27 unidades da Federação: R$ 787,07 anuais por cidadão, incluído aportes federais, estaduais e municipais.
“Esse valor deveria ser muito maior para conseguir amenizar o sofrimento da população”, avalia Hideraldo Cabeça, representante do estado do Pará no CFM. “A forma que é viabilizada a estrutura do SUS é cruel para a população”, afirmou.
Diante da falta de recursos, o conselheiro do Pará defendeu melhor gestão do dinheiro. Para isso, uma das propostas é a criação de microrregiões, abrangendo entre 500 mil e 1 milhão de habitantes, nas quais os municípios possam coordenar melhor os gastos com saúde, formando redes de acesso mais completas.