O principal argumento é que, com a suspensão das aulas provocada pela pandemia de coronavírus, estudantes sem acesso à internet e sem aulas presenciais terão sua performance no exame prejudicada.
A mobilização dos senadores pelo adiamento das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcadas para novembro de 2020, vem ganhando força. Preocupados com a desigualdade no ensino a distância e as condições sanitárias para aplicação das provas, reitores de 63 universidades federais, representados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), divulgaram carta, nesta quinta-feira (14), em que reforçam a necessidade da definição de novo calendário a partir de diálogo com os educadores.
“A Andifes, reafirmando ser fundamental a realização de um Enem tecnicamente exitoso e com concorrência democrática, propõe a suspensão das datas e que, em condições razoáveis de segurança sanitária e equidade, seja possível definir um novo calendário”, diz a nota.
Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem, também assinaram um manifesto em que 38 entidades ligadas à educação pedem ao governo a suspensão do calendário.
O principal argumento é que, com a suspensão das aulas provocada pela pandemia de coronavírus, estudantes sem acesso à internet e sem aulas presenciais terão sua performance no exame prejudicada. Além disso, a Secretaria de Controle Externo da Educação do Tribunal de Contas da União (TCU) deu parecer favorável à mudança de cronograma na última segunda-feira (11).
Até o momento, no entanto, o Ministério da Educação (MEC) mantém as datas do Enem 2020. As inscrições para o exame foram abertas em 11 de maio e, até a tarde desta quinta (14), o Inep havia registrado quase 2,8 milhões de inscritos.
Reação parlamentar
Presidente da Comissão de Educação (CE), o senador Dário Berger (MDB-SC) ponderou que as condições de preparação para o exame são insuficientes, principalmente para estudantes de escolas públicas e de cidades do interior.
Em entrevista à Rádio Senado nesta sexta-feira (15), Berger sugeriu ao governo que consulte as secretarias estaduais de educação para confirmar os impactos da pandemia na aplicação dos conteúdos e ratificar a necessidade de um novo cronograma para as provas.
“Os estudantes mais pobres sofrerão as piores consequências. Neste momento, é adequado e de bom senso o adiamento do exame, inclusive pelo pouco tempo de implantação do ensino a distância em alguns estados. Muitas escolas sequer conseguiram implantar o sistema”, afirmou na entrevista.
O senador Fernando Collor (Pros-AL) destacou que “mesmo com números expressivos de inscritos, divulgados pelo MEC, há uma forte corrente contrária à realização das provas, por conta da pandemia”. Ele lançou enquete no Twitter nesta quinta-feira (14), e, até esta sexta-feira (15), das 2.193 respostas à pergunta, 22,5% concordam com a realização das provas em novembro. E 77,5% são contrários à manutenção do calendário. Assim como Collor, os senadores Weverton (PDT-MA) e Simone Tebet (MDB-MS) pediram que seus seguidores se manifestassem, por entenderem que uma série de estudantes não está em condições de se preparar para o Enem.
Impasse
No começo de maio, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, em audiência na comissão que acompanha as ações do governo de enfrentamento à covid-19, declarou aos líderes partidários do Senado que o Enem não seria adiado. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro já cogitou a possibilidade de mudanças. Ele recebeu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, na quinta-feira para tratar, entre outros temas, do adiamento do exame. Maia narrou a impressão dos parlamentares sobre o tema, e disse que o presidente da República “ficou de avaliar” a questão.
“Um pleito importante que fiz ao presidente, e ele ficou muito sensível, ficou de dar uma resposta”, disse Rodrigo Maia.
Desigualdade
Contrários à opinião do ministro da Educação de que o Enem não tem como objetivo a justiça social, diversos senadores alertaram para a falta de estrutura para que alunos de escolas públicas, de baixa renda e do interior do país de se preparem adequadamente para as provas e ter sua performance comprometida.
A senadora Leila Barros (PSB-DF) observou que somente 36% dos alunos da rede pública têm acesso à internet em casa. Nas classes D e E, segundo ela, seis em cada dez alunos sequer têm computador. Leila ressaltou que, além dos parlamentares, há apelos de escolas públicas e de universidades pela remarcação das provas. Para a parlamentar, insistir com a manutenção do calendário do Enem é apostar no crescimento da desigualdade.
“O adiamento é necessário para que nenhum estudante seja prejudicado pela pandemia, principalmente os mais carentes”, defendeu, em sua conta no Twitter.
O senador Paulo Paim (PT-RS) foi além e chegou a dizer que o cancelamento das provas seria uma “medida justa”. Nas redes sociais, o senador gaúcho apontou que, além de prejudicar os estudantes de escolas públicas, a manutenção das datas do exame resultará em “enormes prejuízos para pobres e negros que vivem nas periferias e não têm acesso à internet”.
Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a insistência do governo em manter o calendário é um ato de “irresponsabilidade e covardia”.
“Favorecerá os privilégios, agravará desigualdades. Não podemos aceitar. Já acionamos a justiça e faremos o que for necessário”, escreveu o senador, no Twitter.