Sem ter direito ao auxílio emergencial e com as safras abaixo do esperado, trabalhadores se desdobram para sustentar as próprias famílias.
Os pescadores estão à frente de uma das atividades mais difíceis, sem garantias e rodeada por desafios que vão desde a crise financeira ao esquecimento do Poder Público – que dificulta o acesso a linhas de créditos e auxílios. Além disso, os trabalhadores precisam lidar com a escassez do pescado, as despesas dobradas ao navegarem pelo mar atrás das espécies e todos os obstáculos que permeiam a busca por alternativas a fim de garantir uma renda. Somente na região Sul, mais de 400 famílias dependem da pesca para sobreviver.
Logo cedo, às 5h, o pescador de Balneário Rincão, Alexsandro Machado, se prepara para ir à beira-mar, em dias bons para a pesca, algo que não é visto com tanta frequência no município litorâneo, pelo menos, desde o ano passado. Mas, mesmo que não entre na água, a rotina também inicia nas primeiras horas da manhã, já que o trabalhador produz redes para uso próprio e para comercializar. A profissão é de família e atravessa gerações.
“Minha família é de pescador, meu pai se criou na pesca, trabalhou e sustentou os seis filhos que têm, através da atividade. Os filhos seguiram o caminho dele. Todos. E hoje, a gente e faz e arruma redes, nos viramos com isso e também com a pesca, graças a Deus. Mas esse ano está complicado, por enquanto, não conseguimos dar nenhum bom lance [de peixe] ainda”, comenta Machado.
Aos 39 anos, o pescador é pai de sete filhos. Desses, dois vivem com ele e a esposa, Marilene Costa, próximo à Lagoa do Jacaré. Ali, eles moram de aluguel há três meses e buscam maneiras de garantir o sustento dos pequenos Davi e Levi, de três aninhos. Vender o equipamento para pesca é uma das alternativas que contribui para quitar as despesas do mês, além de uma lojinha que o casal abriu em um dos cômodos da casa, onde vendem sorvetes, roupas e diversos outros objetos.
“Eu faço redes para eu mesmo pescar, mas também faço para as pessoas que pedem, que me contratam para fazer”, explica. “Hoje, o material está muito caro, encareceu o chumbo, a corda, a boia. Todos os materiais de serviços hoje estão muito caros, então eu vendo entre 400 e 500 reais ela pronta”, acrescenta. Atualmente, o pescador consegue se manter, mas confessa que muitos colegas de profissão passam por dificuldades. “O preço dificultou os serviços, o pessoal que fazia rede não tem como fazer, porque o material está caro”, comenta.
Além do preço dos insumos ter aumentado expressivamente, as duas últimas safras de tainha não foram tão boas, o que complicou ainda mais a vida dos pescadores da região. “A expectativa, para esse ano, é que seja melhor do que ano passado. Em 2020, tivemos uma safra nem boa nem ruim, ficou no meio termo. Mas o mar não ajuda, os peixes a gente sabe que tem, principalmente na nossa região, mas só deu um dia de pesca até agora, não tivemos essa sorte ainda no Rincão”, desabafa Machado.
“Já vi pescador passar fome”
A Colônia Z-33, que compreende a extensão que liga Passo de Torres a Jaguaruna, possui mais de 400 famílias que dependem da pesca para sobreviver. Com as safras abaixo do esperado, os pescadores são obrigados a procurarem outras alternativas para garantir o sustento. “A pandemia piorou bastante a situação financeira. Já vi pescador passar fome, a gente conversa no grupo, tem um pessoal aqui no Rincão que ajuda muito essas pessoas que não têm o que comer ou que às vezes estão sem água ou sem energia”, lamenta Machado.
Sem auxílio emergencial
Atualmente, os pescadores não estão inclusos no grupo que pode receber o auxílio emergencial devido à pandemia, alguns deles só são beneficiados com o seguro-defeso, que podem ser até cinco parcelas de um salário mínimo por mês. “Eu já passei dificuldades em algumas fases da vida pela falta da pesca, dos peixes, de poder comercializar e de vender as redes”, comenta Machado.
Com a falta de subsídios, apoio financeiro e linhas de créditos, os pescadores são obrigados a procurarem outras fontes de renda. “Eu tenho uma máquina de cortar grana e eu faço esse serviço, hoje não é fácil viver só da pesca. Infelizmente está ruim, ruim mesmo de pesca, de dinheiro sob venda de peixe, mas não me vejo fazendo outra coisa. Eu e a minha esposa estávamos conversando, se continuar assim, temos que trabalhar com outras coisas também para nos mantermos”, finaliza Machado.
Crise econômica
O presidente da Colônia Z-33, João Piccolo, afirma que a escassez do pescado também contribui com a crise econômica que os trabalhadores têm enfrentado na região Sul. ”Com a falta do peixe, os pescadores estão percorrendo praias e isso aumenta a despesa, eles não podem ficar parados, mas tem o gasto com a alimentação de todo o grupo, o combustível, isso dá uma diferença grande”, enfatiza.
A burocracia em ter acesso às linhas de crédito também prejudica os trabalhadores. “É pouca atenção para o pescador. São poucas políticas públicas relacionadas a eles, quando foram fazer o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), até eles conseguirem tem acesso a esses recursos, eles precisam comprovar muitas coisas, dificilmente conseguem a liberação”, acrescenta o presidente da Colônia Z-33.
Piccolo tem buscado junto ao Governo do Estado, novas linhas de crédito e apoio aos pescadores, porém, ainda não há nada definido. “A Colônia de Pescadores tem adquirido algumas cestas básicas para distribuir aos trabalhadores, porque enquanto não tem o que pescar e não tem outra renda, alguns pais chegam em casa as crianças pedem comida e precisam se alimentar e da onde eles vão tirar isso? Eles dependem da atividade para sobrevivência da família, imagina a dificuldade”, finaliza.
Com informações do site TNSul