Aumento salarial a procuradores motivou ex-defensor público-geral do Estado a entrar com a ação contra Carlos Moisés; Ministério Público e Tribunal de Contas também foram acionados.
O aumento para procuradores do Estado incluídos na folha de pagamentos desde outubro de 2019, como revelou o ND+ na última quinta-feira (9), é base para um pedido de impeachment por crime de responsabilidade contra o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), a vice Daniela Reinehr e o secretário de estado da administração José Eduardo Tasca.
O documento de 135 páginas foi protocolado nesta segunda-feira (13) na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina). O autor da tentativa de retirar o chefe do Executivo do cargo é Ralf Guimarães Zimmer Júnior, ex-defensor público-geral do Estado e que também era presidente da Adepesc (Associação dos Defensores Públicos de Santa Catarina).
Zimmer renunciou ao cargo na entidade representativa da categoria antes dar entrada no processo no protocolo do Legislativo. “É um ato de civismo, muito maior do que o interesse da categoria que ficou receosa de sofrer represálias e não quis assinar depois de uma assembleia deliberativa. Além disso, pelo rito deste tipo de processo na Alesc é preciso que seja feito por pessoa física”, argumento o defensor público, em entrevista à reportagem.
Ele também usou o mesmo documento para pedir a abertura de inquérito por crime comum contra o governador no MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e também de processo no TCE-SC (Tribunal de Contas de Santa Catarina) de auditoria nos atos de pessoal do governo estadual.
Um grupo de juristas e advogados defendem a mesma tese, afirma Zimmer, mas ele informou a que revolveu entrar sozinho com o pedido quando estes grupos decidiram aguardar o fim do recesso do Legislativo e do Judiciário. O defensor público não informa, por enquanto, quem são estas pessoas que encamparam sua tese jurídica.
Verba de equivalência
Segundo o documento, a equiparação salarial dos procuradores é ilegal por que uma decisão de 2010 do TJSC mudou o entendimento sobre a chamada verba de equivalência. Para Zimmer, a alegação citada na decisão é a de que a emenda Constitucional 19/98 proíbe a possibilidade de qualquer vinculação ou equiparação remuneratória entre os servidores públicos. E por esse motivo a mudança fez com que se perdesse os efeitos do art. 196 da Constituição Estadual, que previa a isonomia entre os procuradores do Estado e da Alesc.
Como mostrou o ND+, os valores foram inseridos antes mesmo de o Estado ser notificado pelo TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) para que cumprisse decisões ainda de 2004 e em processos que tramitavam desde 1997 e 1998. Na primeira ação, julgada em novembro de 2019, o Executivo informou que já tinha concedido à remuneração extra, conhecida por verba de equivalência, para todos os advogados do Estado. Na prática, a medida equipara os salários da categoria com a dos procuradores da Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), que têm uma média salarial bruta de R$ 35 mil.
Além disso, o pedido argumenta que somente os procuradores que eram associados a entidade representativa da categoria em 2004 poderiam terem sido beneficiados pela medida, considerando a decisão do TJSC usada pelo governo. Mas ao contrário do entendimento jurídico do autor do pedido, o Executivo incorporou a diferença salaria para todos os procuradores ativos e inativos.
Impacto da medida
Na última decisão, de 17 de dezembro de 2019, o desembargador Pedro Manoel Abreu deu prazo de dez dias para que o Estado informe como pagará os valores da mesma verba referente aos meses de janeiro a setembro de 2019, antes da incorporação nos vencimentos. A decisão administrativa contraria o veto do governador em junho de 2019 a uma emenda proposta pelo Legislativo no projeto de reforma administrativa, que também aumentava os salários dos procuradores.
Na justificativa do veto, o Executivo argumentou que essa proposta resultaria em aumento de despesas não previstas. A proposta dos deputados vinculava os salários dos procuradores aos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), assim como dos desembargadores estaduais.
O impacto da medida é de R$ 7,7 milhões, de acordo com dados do governo, mas pode chegar a R$ 8,8, segundo o pedido de impedimento do chefe do Executivo. Segundo a Secretaria de Administração, a implementação resultou em um gasto total mensal de R$ 767.633,25 para 161 servidores da PGE (Procuradoria Geral do Estado) entre ativos e inativos. Além disso, a conta para pagar os retroativos de janeiro a setembro vai custar ao Estado “cerca de sete milhões de reais”.
Sigilo ilegal, diz autor do pedido
O defensor público também argumentou que o processo administrativo que concedeu a equiparação salarial não deveria ter sido feito forma sigilosa, o que tornaria o ato ilegal.
“Em outras palavras, referido procedimento secreto e ilegal do qual se abeberou o ordenador primário (senhor governador e senhora governadora) para buscar prestígio entre os procuradores sem ter que pagar o ônus inerente da função de vi a público por lei e dizer: ‘sim, concedemos aumento’, denota o grau de falta de consideração com a população, com o parlamento e com os princípios mais comezinhos da república”, diz Zimmer na sua peça de acusação contra o governador.
Zimmer inseriu dentro do pedido de impedimento todos os documentos do processo administrativo que tramitou em sigilo dentro do sistema do governo estadual.
Contraponto
Na quarta-feira (8), o processo que concedeu a equiparação salarial aos procuradores (PGR 4421/2019) estava em sigilo dentro do Sistema de processos eletrônicos do governo estadual. A reportagem tentou acessar o processo, após conseguir a informação citada nas decisões judiciais do TJSC.
Nesta segunda-feira (13), o governo alega em nota oficial, que os documentos estão abertos ao público desde 21 de outubro de 2019. O ND questionou novamente este ponto da resposta do governo após receber o comunicado no começo da noite desta segunda-feira.
Por meio de sua assessoria, o governo admitiu que o processo só foi aberto no sistema na semana passada, mas alega que os documentos estavam públicos caso fossem requisitados. “A Procuradoria Geral do Estado esclarece que o referido processo administrativo foi autuado em processo público. Sendo assim, qualquer pessoa que tivesse solicitado o acesso após o último estágio de decisão judicial teria sido atendido. O Governo do Estado executou esse procedimento, retirou essa restrição e todo o conteúdo está agora franqueado ao público”, informa a nota.
O autor do pedido de impedimento pede no documento protocolado na Alesc uma perícia nos dados do sistema para saber desde quando os dados estavam com o acesso restrito. Leia a íntegra da resposta oficial do governo sobre o caso:
1) O pagamento aos Procuradores do Estado, implementado em outubro, decorre do cumprimento de decisão judicial transitada em julgado e, portanto, impassível de modificação, em favor da categoria. Tal decisão assegura paridade remuneratória entre Procuradores do Estado e Procuradores da Assembleia Legislativa, nos termos do art. 196 da Constituição do Estado de Santa Catarina.
2) De acordo com o art. 12 da Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950, que “define os crimes de responsabilidade” são “crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias: i) impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário, ii) recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo, iii) impedir ou frustrar o pagamento determinado por sentença judiciária”.
3) Diante da decisão judicial, não há espaço para supor que foi expedida ordem em contrariedade à Constituição ou ordenada despesa não autorizada em lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas (art. 11 da Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950).
4) É inexistente a pretensa contradição entre a implantação da decisão judicial aos integrantes da carreira de procurador do Estado e o veto aposto ao dispositivo de origem parlamentar inserido na proposta de lei de reforma administrativa com efeito análogo. Isso porque a repercussão financeira invocada no referido veto refere-se à estimativa de despesa adotada na elaboração do projeto, nos termos do §1º do art. 17 da LRF.
5) O processo administrativo que deu cumprimento à decisão judicial é franqueado ao público e, após os trâmites no âmbito do Poder Executivo, foi entregue ao Poder Judiciário no dia 21 de outubro de 2019 e autuado em processo público, motivo pelo qual não há sigilo acerca do cumprimento de decisão judicial.
6) O mandado de segurança coletivo proposto por associação de classe alcança todos os associados, sendo irrelevante a data de associação ou a lista nominal, conforme consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento contrário apresentado pelo defensor público é fundado em precedente que trata de processo de outro rito, portanto não aplicável ao caso.
7) Merece destaque que pela natureza do pedido e do trâmite administrativo pertinente, não houve intervenção ou decisão do governador do Estado no referido processo.
8) São esses os fatos, restritos ao cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, que afastam completamente os argumentos apresentados na aludida representação.
Outros casos
O último pedido semelhante na Alesc aconteceu em outubro de 2016.
O documento era de autoria do Fórum Catarinense em Defesa do Serviço Público. O argumento era as irregularidades no uso de R$ 615 milhões em impostos devidos pela Celesc em 2015.
A manobra classificada como “pedalada” do governo Colombo reduziu os repasses dos demais Poderes e da Udesc, além de reter R$ 198,9 milhões da participação dos municípios no ICMS também de 2015.
Sobre este pedido de 2016, a petição foi arquivada pelo ex-presidente da Câmara Gelson Merísio (PSD). O deputado alegou na época que o Regimento Interno da Alesc e do STF (Supremo Tribunal Federal) não permitia que entidades e/ou pessoas jurídicas ingressassem com tal solicitação.
Depois deste, mais três pedidos contra o ex-governador foram protocolados sobre a alegação de que nas delações de dois diretores da Odebrecht e da JBS traziam doação de recursos em caixa dois para a campanha de 2010.