Produção, publicidade e comercialização estão proibidas desde maio no Brasil e ainda não se sabe exatamente qual é a composição da substância.
O “melzinho do amor”, que tem sido foco de investigação do Ministério Público de Santa Catarina, é um suposto estimulante sexual, anunciado como 100% natural, e que promete “milagres” após o consumo. Em maio deste ano, sua venda foi proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em todo Brasil.
Mesmo assim, não é difícil encontrar a oferta de pacotes sendo vendidos sem bula e com a embalagem em outro idioma. A reportagem da NSC TV e NSC mostrou como ocorre a venda irregular, com entregas pessoalmente ou por correspondência.
Com o conhecimento das autoridades de fiscalização, a reportagem adquiriu o produto com um revendedor da Grande Florianópolis. O produto foi entregue lacrado ao Procon/SC, que encaminhou a amostra para análise no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen).
Apesar da proibição, nem a Anvisa sabe a composição do produto, mas há suspeitas de que haja sildenafil, uma substância química que é a base de medicamentos contra impotência.
Veja o que já sabe sobre o melzinho do amor e seus riscos:
1. O que é o “melzinho do amor”?
Considerado uma febre entre os jovens e definido como um estimulante sexual, o produto é anunciado como 100% natural e promete “milagres” após o consumo, mas não divulga sua composição.
A substância não se enquadra como alimento registrado ou isento de registro. Em nota, a Anvisa afirmou ainda que também não sabe qual é a composição do produto. A produção, venda, publicidade e comercialização do “melzinho do amor” estão proibidas pela Anvisa desde maio no país.
2. ‘Melzinho’ promete efeito de remédio
A propaganda do produto promete efeitos similares aos do Viagra, medicamento para disfunção erétil. Porém o remédio descoberto há 22 anos é considerado seguro e eficaz para a finalidade prometida e, diferentemente do “melzinho”, ele tem aprovação da Anvisa para venda e consumo.
A bula do medicamento contraindica o uso para mulheres e menores de 18 anos. Pessoas que façam uso de remédios que contenham ácido nitroso também não devem consumir o produto.
Já no “melzinho do amor”, as contraindicações variam de acordo com os vendedores. Contudo, é comum a recomendação para que grávidas, doentes renais e crianças não consumam.
3. Onde são vendidos?
Os anúncios do “melzinho do amor” estão espalhados pela internet em sites populares de entrega e nas redes sociais. Além da descrição, eles fazem recomendações sobre a forma de consumo.
Os vendedores descrevem que a composição seria simples: mel, caviar e canela dariam forma à substância gelatinosa.
4. Por que o ‘melzinho’ ficou popular?
Nos três últimos meses, as buscas pelo termo “melzinho do amor” no Google tiveram uma alta repentina. O termo teve seu auge na época da morte de Mc Kevin, que afirmou já ter usado a substância. Cidades como Camboriú, São José, Lages, Itapema e Itajaí lideram as pesquisas na internet relacionando o produto a termos como prazer e efeito colateral.
A substância também é tema de funk, como na música “Gordinho Bololô”, do MC Ryan. Lançada no dia 12 de março, a canção já soma mais de 2 milhões de visualizações no Youtube. Ela cita o produto em trecho do refrão: “Lá só tem ‘chefuxo’ preparado pro ‘caô’, bem trajado e com melzinho”.
Outras músicas levam o produto no título e fazem referência ao efeito sexual prometido pelo produto. “’Tô’ chapado na onda do ‘Melzinho do Amor’”, diz o trecho de um funk lançado em abril deste ano.
5. O que as autoridades constataram?
A Diretora da Vigilância Sanitária de Santa Catarina, Lucélia Scaramussa Ribas Kryckyj, afirma que há registros em laboratórios de outros Estados da presença de sildenafil em amostras do “melzinho do amor”.
“Esse produto vem com uma apelação muito grande, como se fosse inofensivo. Mas há Estados que já conseguiram identificar em suas amostras o sildenafil, que é uma substância medicamentosa utilizada para disfunção sexual”, afirma.
O laudo do Lacen não encontrou sildenafil e mostrou que a amostra continha: grãos de pólen; elementos histológicos de Cinnamon sp (canela); cristais e outras partículas e amorfas não identificadas. A presença de caviar não pôde ser confirmada pelo Lacen.
6. Quais os riscos do ‘melzinho do amor’?
Segundo a professora, pesquisadora do Grupo de Estudos de Produtos Naturais e Sintéticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maique Biavatti, não há comprovação científica de que a mistura de canela, mel e caviar seja capaz de causar o mesmo efeito do Viagra.
Ela alerta que esses produtos podem conter sildenafil, substância contida em medicamentos para tratar disfunção erétil, e que o risco é maior porque as quantidades são desconhecidas. A bula do Viagra orienta que o consumo máximo seja de um comprimido por dia. No caso do produto, não há dosagem máxima indicada.
“É um risco fazer uma ‘mistureba’ de coisas nada a ver, com apelo natureba, e colocar junto a essa substância. O que é extremamente perigoso nesse caso específico porque existem muitos casos de senhores de idade que usaram [o Viagra] e acabaram tendo problemas de infarto, pois ele tem um efeito secundário no sistema cardiovascular”, afirma.
A diretora da Vigilância Sanitária de Santa Catarina, Lucélia Scaramussa Ribas Kryckyj, pede que as pessoas não utilizem o “melzinho do amor”. “Orientamos que não se consuma nenhum produto com qualquer tipo de indicação sem que o mesmo não tenha registro”, afirma.
A professora Maique Biavatti alerta que mesmo substâncias naturais podem causar efeitos colaterais. “Existe o mito de que o que é natural não faz mal, e não é bem assim”, diz.
Outra hipóteses, segundo Maique, é que os resultados após o uso estejam associados a um efeito placebo.
“A pessoa às vezes tem alguma coisa sexualmente mal resolvida ou alguma baixa autoestima e oferecem pra ela essa mistura de coisas nada a ver. O caviar e canela, que lembram a virilidade, a potência. Ela já vai esperar que aquele efeito seja causado nela, né? O placebo é isso: é a expectativa da cura, que é muito comum no ser humano”, pontua.
7. Vender ‘melzinho do amor’ é crime
A Anvisa diz que a venda desse tipo de produto é crime. “Ainda mais se esse medicamento antes do registro for considerado prejudicial à população e à comunidade em geral”, afirma Carlos Eduardo Raulino, advogado especialista da Anvisa.
Para ele, os revendedores também têm responsabilidade pela venda ilegal. “Os revendedores são obrigados a requerer e solicitar daquele distribuidor a legalidade e o registro daquele medicamento que ele tá se propondo vender”, disse.
8. Anvisa deu início a dossiê
Após a proibição em maio, a Anvisa passou a elaborar um dossiê com a investigação sobre os componentes do produto para avaliar se o produto é regular e está de acordo com a legislação sanitária vigente. Segundo o órgão, não há um prazo para a conclusão do trabalho.
Em paralelo ao dossiê, duas resoluções foram publicadas pelo órgão no Diário Oficial da União: uma proibindo a produção, comercialização, publicidade e compra do “melzinho do amor” da marca Vital Honey; e outra proibindo o produto da marca Power Honey.
9. Quais as medidas tomadas pelo Procon, MPSC e pela polícia
O Procon/SC notificou cinco plataformas de e-commerce façam a retirada dos anúncios do “melzinho do amor”. A medida cautelar foi encaminhada aos sites em 17 de junho. O descumprimento da decisão pode gerar responsabilização administrativa e multa.
O órgão solicitou também que o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) investigue a venda irregular com objetivo de localizar os fabricantes. Segundo o diretor do órgão, Tiago Silva, não se sabe quem é o produtor.
O MPSC instaurou uma notícia de fato, procedimento para dar início à investigação, e solicitou informações sobre a comercialização irregular do produto ao Procon estadual, à Anvisa e à Vigilância Sanitária Estadual.
A Polícia Civil de Santa Catarina informou que ainda não fez apreensões do produto ou prisões relacionadas à venda do “melzinho do amor” no Estado.
No Paraná, a Polícia Rodoviária Federal do Paraná apreendeu 90 caixas de “melzinho do amor” no dia 20 de junho. O produto ilegal era transportado no bagageiro de um ônibus que passou pelo posto da polícia de Santa Terezinha do Itaipu, município distante 616 quilômetros de Curitiba. O homem que estava transportando as caixas foi preso por contrabando.
No Rio de Janeiro, um homem foi preso no dia 21 de maio enquanto vendia o produto da marca Vital Honey. Foram apreendidas nove caixas com o suspeito.
Em nota, a Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que identificou o homem por meio de denúncias e do monitoramento das redes sociais. Ainda segundo a polícia, o homem teria dito que lucraria R$ 500 com a venda de duas caixas do produto.
10. O que dizem as plataformas de venda do produto
A reportagem questionou algumas das plataformas de e-commerce em que o “melzinho do amor” vem sendo vendido. Após a notificação, o Mercado Livre e o Facebook removeram os anúncios de venda do produto.
O Mercado Livre disse repudiar o uso indevido do medicamento e que retirou da plataforma os anúncios com do produto “Melzinho Do Sheik”, um dos nomes usados para a venda do produto, e disse que “permite aos órgãos (fiscalizadores) identificar e remover anúncios de produtos que considerem ilegais e também identificar os vendedores responsáveis”.
O Facebook disse que também removeu anúncios do “melzinho do amor”, e o Instagram informou que investiga as contas denunciadas pela reportagem.
Em nota, a OLX informou que a empresa não faz a intermediação ou participa de qualquer forma das transações que são feitas entre os usuários. O texto diz ainda que denúncias de anúncios irregulares podem ser feitas por clientes.
O Ifood também se manifestou dizendo que atua como intermediário entre estabelecimentos, clientes e entregadores e que não autoriza a venda de produtos proibidos pela Anvisa em sua plataforma. Em nota, a empresa afirmou que está verificando os anúncios para tomar as providências cabíveis.
A equipe entrou em contato com o Enjoei, Americanas, mas não obteve retorno até a publicação do texto; e não localizou o contato da empresa Vital Honey e Power Honey, que têm Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) desconhecidos.
Com informações do site G1/SC