Especialistas criticam a medida. Proposta que tramita no Congresso prevê apenas advertência e pontuação aos infratores.
Dos vários pontos polêmicos do projeto de lei que altera o Código Brasileiro de Trânsito, um em especial causou assombro entre especialistas em segurança, órgãos do setor e sociedade: Jair Bolsonaro quer acabar com as multas para quem deixa de transportar crianças em cadeirinhas infantis. Pela proposta do presidente da República, os infratores receberiam apenas uma advertência escrita. A Casa Civil afirma que a intenção é buscar “um caráter mais educativo”.
“Todo mundo que é pai e mãe é responsável. Continua valendo a infração para a pontuação. Apenas tirei o dinheiro. Vamos ver se o pessoal vai multar ou é a multa pela multa?” afirmou Bolsonaro nesta quarta-feira (5).
Se o projeto for aprovado no Congresso, preveem profissionais da área, a consequência será mensurável na forma de mais mortes, mais feridos e mais sequelados na população infantil.
De acordo com relatório publicado no ano passado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que define as cadeirinhas como “altamente eficazes na redução de mortes e ferimentos”, 84 países têm leis que exigem o acessório de segurança.
Seguindo essa tendência, o Brasil passou a cobrar assentos específicos a partir de 2008 e a fiscalizar e aplicar multas a infratores em 2010.
Neste último ano, segundo dados do Ministério da Saúde, 345 crianças ocupantes de automóveis morreram em acidentes. Em 2017, as mortes foram 279.
Pela legislação brasileira, as crianças devem usar cadeiras específicas até os sete anos e meio (bebê conforto, cadeira de segurança ou assento elevatório, conforme a idade) e só podem passar para o banco dianteiro do veículo aos 10 anos de idade.
Secretário do departamento de segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria, Danilo Blank contesta a ideia apresentada pela Casa Civil de abrir mão da penalização em dinheiro de infratores, para adotar uma política educativa:
Existe uma documentação científica muito sólida mostrando que educação funciona pouco. No tripé da prevenção, que inclui educação, segurança dos produtos e legislação, a educação é a mais frágil. Se apenas dissermos às pessoas que elas têm de botar a criança na cadeirinha, uma porcentagem enorme não vai ouvir, não vai fazer. Cinquenta anos de pesquisa mostram que é a legislação que funciona para mudar comportamento. E tem de ter multa pesada. Isso é que gera impacto na mortalidade. E a mortalidade é a ponta do iceberg. Para cada criança morta, tem cem que ficam hospitalizadas e que saem com sequelas para o resto da vida.
Blank afirma que a proposta do governo está na contramão de documentos da OMS que apontam para a necessidade de legislações mais severas e punitivas para atingir ganhos na segurança:
Todo o trabalho árduo e penoso que tivemos ao longo de anos vai por água abaixo quando vem um irresponsável e propõe mudar o Código de Trânsito para suspender as multas. O aumento de mortes e feridos vai ser notório. A impressão que eu tenho é de que estão colocando um bode na sala, para criar esse tumulto, e aí tiram a cadeirinha do projeto de lei e deixam a questão dos pontos na carteira, que é horrível também.
Blank refere-se a outra proposta do projeto, que sobe de 20 para 40 o total de pontos no período de um ano para que um motorista tenha a CNH suspensa.
“Por mim, eu botaria 60, porque, afinal de contas, a indústria da multa vai deixar de existir no Brasil” disse o presidente nesta quarta-feira.
Na terça-feira (4), Bolsonaro levou ao Congresso um projeto de lei que altera pontos do Código de Trânsito Brasileiro. Entre as alterações propostas, está o aumento da validade do documento – de cinco para 10 anos – e a duplicação do limite de pontos permitido a um motorista – de 20 para 40. O texto também acaba com a aplicação de multas para quem levar crianças com menos de 10 anos no banco da frente do carro.
Órgãos oficiais, inclusive do governo federal, também receberam mal a proposta do governo de aliviar as penalidades para quem transporta crianças sem cadeirinha. Diretor-geral do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Jerry Adriane Dias, está entre os que criticaram os planos de Jair Bolsonaro.
Todos os equipamentos de segurança são importantes. Quando mais, melhor. Pessoalmente, tenho a visão de que não podemos flexibilizar necessariamente a punição — disse nesta quarta-feira, em entrevista à Rádio Gaúcha.
O diretor-geral do Detran no Rio Grande do Sul, Ênio Bacci, afirma que levará sua preocupação aos deputados que vão avaliar a matéria:
“O governo não voltará atrás, mas vamos tentar as mudanças junto aos deputados, para não acabar com coisas como, por exemplo, a cadeirinha, o que pode gerar a morte de diversas crianças inocentes.”
Com informações do site NSC Total