A vaga é ocupada interinamente pelo general Eduardo Pazzuello e o presidente Jair Bolsonaro não tem dado nenhuma sinalização de que está em busca de um nome.
O Ministério da Saúde completa 50 dias sem um titular no cargo neste sábado (4/7). A vaga é ocupada interinamente pelo general Eduardo Pazzuello e o presidente Jair Bolsonaro não tem dado nenhuma sinalização de que está em busca de um nome para a pasta que tem entre suas missões enfrentar a pandemia do novo coronavírus. O país, segundo com maior número de mortes e casos do novo coronavírus no mundo, tem 63.254 óbitos e mais de 1,5 milhão de infecções confirmadas.
É a primeira vez desde 1953 que o ministério fica tanto tempo sem um titular. Naquele ano, Antônio Balbino comandou de agosto a dezembro a pasta interinamente, enquanto também era chefe do Ministério da Educação (MEC). As duas pastas haviam acabado de se separar.
Em outras ocasiões, Bolsonaro foi mais ágil. Quando Sérgio Moro pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ele foi substituído por André Mendonça em cinco dias. O economista Carlos Decotelli assumiu o MEC também cinco dias após Abraham Weintraub deixar o posto. A Educação voltou a ficar sem ministro cinco dias após Decotelli ser nomeado, mas, nesse caso, seu substituto deve ser anunciado em breve.
Na própria pasta da Saúde foi assim quando Luiz Henrique Mandetta (DEM) saiu do posto. Nelson Teich assumiu no dia seguinte. Sob comando interino do general Pazuello, o ministério abandonou a defesa do distanciamento social mais rígido e passou a recomendar tratamentos para a covid-19 sem aval de entidades médicas e científicas, como o uso da hidroxicloroquina. A pasta ainda perdeu técnicos com décadas de experiência no SUS e nomeou militares para cargos estratégicos.
Pazuello mais influente que Teich
Mesmo interino no cargo, Pazuello é apontado por colegas de governo e secretários locais de saúde como mais influente e poderoso do que Teich, último titular da pasta, que pediu demissão em 15 de maio. Os primeiros movimentos do Ministério da Saúde sob gestão interina escancararam a mudança brusca de posicionamento do governo federal.
Em 20 de maio, o órgão publicou orientações para uso da cloroquina desde os primeiros sintomas do novo coronavírus, mesmo sem a droga apresentar eficácia contra a doença. A medida era uma exigência de Bolsonaro e atropelou recomendações dos próprios técnicos do ministério e de entidades de saúde.
O ministério também deixou de defender benefícios do distanciamento social e traçar estratégias sobre quarentena. A pasta usa como escudo o argumento distorcido de que o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou este poder da União. Pazuello e seus subordinados têm dito que cabe a Estados e municípios pensarem nestas medidas.
Para o médico Sergio Cimerman, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e colunista do Estadão, o ministério está “acéfalo”. “Pazuello está formando a sua equipe e tomando posições. Mas não está sendo embasado por sociedade científica nenhuma. Quando a gente não tem um órgão federal que dá um norte aos planos de ação em saúde, ficamos muito perdido. A população se sente em pânico”, disse, em debate sobre a doença transmitido pelo Estadão na quinta-feira (2/7).
No mesmo evento, o ex-secretário de Vigilância em Saúde do ministério Wanderson Oliveira apontou “preocupação” pelo momento do ministério. Para ele, que é epidemiologista, a resposta à covid-19 ficou “errática, esquizofrênica, fragmentada ao longo do tempo”. Além da pandemia, Oliveira alerta sobre o risco de desmonte da vigilância de doenças já conhecidas, como dengue, influenza e sarampo.
O momento de maior exposição de Pazuello a críticas ocorreu no começo de junho, quando, para atender ao desejo de Bolsonaro de reduzir a repercussão pela alta de mortos, o ministério mudou o formato de divulgação das estatísticas. A ideia era esconder mortes de datas anteriores que ainda aguardavam a confirmação. O portal com dados do ministério chegou a ficar fora do ar, mas a divulgação foi retomada após forte pressão de Poderes, da sociedade e por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A médica sanitarista e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo, afirma que a “desarticulação” do ministério no combate à covid-19 aumenta o descontrole da pandemia no País. “Há uma falta total de liderança que possa acomodar o processo. O ministro é interino. Um militar que não foi formado para isso”, disse.
Apesar do salto de casos (de 218 mil para mais de 1,5 milhão) e mortos (de 14,8 mil para mais de 60 mil) na gestão Pazuello, o presidente tem repetido que o ministro interino faz boa gestão e pode ser efetivado. “Estamos com uma falta na Saúde, mas se bem que o Pazuello está indo muito bem. A parte de gestão está excepcional. Coisa nunca vista na história. Sabemos que ele não é médico, mas ele está com uma equipe fantástica no ministério”, disse no dia 25 de junho, em transmissão nas redes sociais.
Pazuello já acompanhou o chefe em manifestação pró-governo em Brasília, com aglomeração, e já foi visto sem máscara em evento no Palácio do Planalto. As duas situações contrariam recomendações de autoridades de saúde para evitar propagação do vírus.
Secretários de Estados e municípios, em geral, preferem Pazuello ao antecessor, Teich. Segundo gestores do SUS, como não há mais esperança de que o ministério coordene a estratégia de quarentena, serve de consolo maior abertura para o diálogo e agilidade para entrega de recursos e equipamentos demonstrados por Pazuello.
O ministro interino tem ainda bom trânsito no meio político. Nas últimas duas semanas ele recebeu aliados do presidente Bolsonaro e lideranças do Centrão, grupo de partidos que tem recebido cargos e verba para votar com o governo no Congresso Nacional. Ele se reuniu, nestes dias, com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e os deputados Arthur Lira (PP-AL), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Fábio Rabalho (MDB-MG), Ricardo Barros (PP-PR), Hugo Leal (PSD-RJ) e Giovani Cherini (PL-RS).
Pazuello, no entanto, dispensa declarações à imprensa. Desde que assumiu o comando da Saúde, não esteve em nenhuma entrevista coletiva – sequer naquela que anunciou a maior pauta positiva de sua gestão: uma parceria para pesquisa e produção da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca.
Equipe
O general foi pinçado do “banco de talentos” das Forças Armadas para entrar no Ministério da Saúde. Primeiro, ele ocupou o cargo de secretário-executivo na gestão de Teich. Neste período já era apontado por secretários locais como o verdadeiro ministro da Saúde.
Desde a saída de Mandetta, em 16 de abril, técnicos com mais de uma década de atuação no SUS têm deixado o ministério. Um exemplo é o ex-secretário Wanderson Oliveira, que tem passagens pela pasta desde 2001.
Sob o comando interino de Pazuello, cargos estratégicos da pasta foram loteados por militares. Há mais de 20 nomeados, sendo 14 da ativa. Eles estão, principalmente, em postos na gestão de dados, recursos humanos, orçamento, logística e contratos.
O ministro interino fez ainda mudanças em cinco das sete cadeiras de secretários da Saúde. Para secretário-executivo, o “número 2” do ministério, foi nomeado o oficial da reserva Elcio Franco Filho. O PL, partido do Centrão, emplacou o doutor em bioquímica Arnaldo Correia de Medeiros como secretário de Vigilância em Saúde (SVS), posto-chave para elaboração da estratégia de combate à covid-19 e outras doenças. O coronel Luiz Otavio Franco Duarte tornou-se secretário de Atenção Especializada (SAES), responsável, entre outros pontos, pelo custeio de leitos pelo País.
Seguidor de Olavo de Carvalho, escritor considerado “guru do bolsonarismo”, o médico Hélio Angotti Neto foi nomeado secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE). A pasta trata da análise de novos tratamentos para o SUS e desenvolvimento do parque fabril de medicamentos.
Ativista “anti-aborto”, o médico Raphael Câmara de Medeiros Parente assumiu a Secretaria de Atenção Primária (SAPS), que organiza ações de cuidados básicos em unidades de atendimento. Além dos novos secretários, Pazuello manteve no ministério a médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação (SGTES). Filiada ao Novo, Pinheiro é defensora do presidente Bolsonaro e tornou-se porta-voz do ministério sobre a cloroquina. Além dela, segue na pasta o coronel Robson Santos Silva, secretário Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Procurado para comentar a gestão de Pazuello, o Ministério da Saúde afirmou que “assumiu o compromisso” de garantir “efetividade de ações” contra a covid desde o começo da pandemia A pasta também disse que trabalha com corpo técnico qualificado, mantendo a “normalidade das atividades da pasta”.
Com informações do site Correio Braziliense