Saúde

Conflito entre credo religioso e ética médica impede cirurgia sem reserva de sangue

Segundo o desembargador, por mais que o paciente esteja aparentemente disposto a arriscar a própria vida na operação, não compete ao Judiciário interferir no ato médico e na liberdade de consciência do profissional responsável.

Divulgação

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu manter decisão da comarca de Criciúma para negar antecipação de tutela pleiteada por um cidadão evangélico que buscava obrigar um médico a submetê-lo a implante de prótese de quadril sem proceder à reserva de sangue exigida protocolarmente para o procedimento cirúrgico.

Para tanto, o paciente sustentou que a crença religiosa que professa impede que seja submetido a eventual transfusão de sangue, motivo pelo qual não só abre mão desta possibilidade como pede que o cirurgião respeite suas convicções religiosas. Na prática, sua intenção é obter amparo judicial na realização da cirurgia sem a reserva de sangue para uma possível transfusão.

“Ora, assim como não se pode, em princípio, havendo recusa fundada em motivos religiosos, compelir alguém a submeter-se a transfusão de sangue – ressalvadas, no entender deste relator, hipóteses envolvendo risco de vida -, também não é lícito obrigar-se um médico a realizar procedimento cirúrgico eletivo de relativo risco sem a anuência expressa do paciente quanto à possibilidade de se efetivar transfusão de sangue se necessário for”, ponderou o desembargador Jorge Luiz de Borba, relator do agravo de instrumento no TJ.

Segundo ele, por mais que o paciente esteja aparentemente disposto a arriscar a própria vida na operação, não compete ao Judiciário interferir no ato médico e na liberdade de consciência do profissional responsável quanto aos limites éticos de sua atuação, notadamente se a intenção é realizar o implante através do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se, define o magistrado, de um claro conflito entre a liberdade do profissional da medicina e a religião do paciente – que frequenta a Igreja Testemunha de Jeová.

Mormente a Constituição Federal trate a liberdade religiosa como um direito fundamental e conceda ao cidadão escolhas que respeitem suas crenças, inclusive ligadas à sua condição de saúde, o desembargador Borba lembra que aos médicos também é assegurado exercer a profissão com autonomia, desobrigados de prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência, excetuadas as situações de ausência de outro profissional em casos de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

Ele colacionou ao seu acórdão jurisprudência da Justiça gaúcha que aborda sob este prisma o tema em discussão. Negou, assim, a antecipação de tutela e determinou a comunicação ao juízo de origem, onde o processo terá sequência até julgamento final (Agravo de Instrumento n. 4023159-94.2019.8.24.0000).

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