De todos os vôos internacionais que cruzaram os céus brasileiros no ano passado, 99 deles deixaram o Brasil transportando uma carga valiosíssima: bolsas com células saudáveis de medula óssea, preservadas sob congelamento e acondicionadas em maletas térmicas.
Enquanto os doadores voluntários se recuperavam durante um ou dois dias nos hospitais brasileiros, na outra ponta os receptores esperavam, ansiosos e cheios de esperança, a medula que poderia devolver-lhes a saúde e, consequentemente, vida nova.
No mesmo período em que 99 estrangeiros receberam medulas doadas por voluntários brasileiros, 109 pacientes de todo o Brasil tiveram a felicidade de encontrar no exterior doadores compatíveis.
Isso parece ser um procedimento corriqueiro, mas não é. Conseguir alguém que tenha medula óssea 100% compatível já é difícil entre membros da mesma família (somente em 25% dos casos). Ter as mesmas características de alguém que mora a milhares de quilômetros de distância é quase como encontrar uma agulha num palheiro. A probabilidade é de uma a cada 100 mil pessoas. É difícil, mas não impossível.
A catarinense Odete Lopes de Lima, 60 anos, é prova disto. Ela sempre foi doadora de sangue. Mora em Treze Tílias, no Meio-Oeste, com o marido Nereu Lima, 72. Os dois são proprietários da Rádio Tropical FM, onde ela cuida do financeiro. Dois dos três filhos também trabalham na emissora. Mesmo tendo que se deslocar até o hemocentro de Joaçaba, numa viagem de cerca de 50 minutos, ela cumpre religiosamente a rotina de doar sangue a cada quatro meses.
Em outubro de 2010, a atendente do hemocentro perguntou a Odete se ela não gostaria de ser também doadora de medula óssea. Ela nem pensou duas vezes antes de dizer sim. Seu nome passou, então, a constar no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea – Redome.
O tempo passou, até que no início do ano passado Odete recebeu um telefonema do Redome, anunciando que havia chances de sua medula óssea ser compatível com a de uma paciente internada com leucemia em um hospital francês. “Fiquei muito feliz quando soube que havia a possibilidade de eu ser doadora”, conta a administradora.
Ela voltou a Joaçaba outras vezes, para exames de sangue mais completos e aprofundados. A compatibilidade realmente existia. Mais exames foram marcados, desta vez em Minas Gerais, acompanhados pelo hematologista Antonio Vaz de Macedo, do Hospital do Câncer de Belo Horizonte, referência na área. Depois, uma amostra da medula dela foi enviada à França, para os últimos testes.
Odete estava então com 58 anos. Passou por um check-up completo de saúde. Depois de cerca de quatro meses do início do processo, veio a resposta definitiva que ela tanto esperava: seria a doadora de medula para a paciente francesa. “Foi a maior alegria saber que poderia ajudar a salvar a vida de alguém. Desde aquele instante sou uma pessoa muito mais feliz e realizada”, comenta.
Vida nova e gratidão
Acompanhada do marido e com o coração explodindo de ansiedade e emoção, Odete voltou mais uma vez para o Hospital do Câncer de Belo Horizonte. Desta vez, para fazer a doação de medula óssea. Deu baixa em um dia, no outro foi realizada a retirada de 1,25 litros de medula e depois de ficar mais um dia em recuperação, ela foi liberada para voltar a Santa Catarina. A medula foi no mesmo instante para a França.
Meses depois, uma nova surpresa: pelo Redome, Odete recebeu um cartão que havia sido enviado pela mulher francesa cuja vida ela salvou. Emocionada e feliz, ela traduz a carta (escrita em francês):
“Como agradecer à pessoa que acaba de salvar a minha vida? Você salvou a mãe de duas crianças maravilhosas, uma esposa casada há 29 anos, uma filha (meus pais ainda estão vivos), uma irmã (tenho um irmão mais novo), e uma amiga (tenho um grupo de amigos muito legal). Você acaba de salvar a minha vida. Você vai ficar anônimo, mas é o anônimo mais importante da minha vida. Você sempre terá um lugar especial, porque graças a você eu posso beijar a vida e os meus familiares. Obrigada por tudo.”
Como funciona a doação
Quando o doador se cadastra no Redome, pode ser chamado para realizar a doação para um paciente em qualquer lugar do Brasil ou do exterior. Os registros de todo o mundo estão conectados. O doador realiza a doação em seu país de origem e o material coletado é enviado para o país do paciente, onde o transplante será realizado.
Os países em que o Brasil mais encontra doadores compatíveis são Alemanha e Estados Unidos. Os países que mais recebem medulas do Brasil são os Estados Unidos, a Alemanha e a França. Mais de 4 milhões de brasileiros são doadores de medula. É o terceiro maior cadastro do mundo.
A busca de doadores brasileiros por pacientes de outros países não influi na lista de espera nacional por um transplante de medula óssea. Os candidatos brasileiros são automaticamente submetidos ao Redome. A primeira opção é buscar um doador no registro brasileiro. Caso não encontre, inicia o processo de busca no exterior.
Quem deseja ser um doador deve comparecer ao hemocentro mais próximo à sua casa. Informações no site do Redome.