Especialistas alertam que bebês e crianças, neste momento, são o público mais vulnerável e que os pais devem estar atentos aos cuidados dentro de casa
A chegada da frente fria fez disparar o número de casos de doenças respiratórias. As crianças, sobretudo, as menores de dois anos, são as mais vulneráveis. Ainda mais agora em que não existem leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátricas e neonatais disponíveis em Santa Catarina. Os especialistas alertam: mais do que nunca, é necessário protegê-los. Inclusive, quem tiver condições, é momento para voltar a realizar uma quarentena com os mais novos.
“Nesse momento, diante dessa situação de falta de UTIs, sem previsão de que novos leitos sejam abertos nos próximos 60 dias, é essencial não as expormos ao perigo. Sabemos que cada família possui uma realidade diferente. Às vezes, não há jeito, os pais precisam trabalhar e não têm opção a não ser deixá-las na creche. Mas, se puderem evitar, seria bastante satisfatório. E é claro que isso não se resume à escolinha. O mesmo vale para lugares fechados, visitas, passeios… Precisamos utilizar os aprendizados que tiramos da pandemia”, salienta o médico Christian Prado, cirurgião pediátrico.
Volta ao modelo presencial é o principal fator
O profissional atribuiu o aumento exponencial de casos ao período de dois anos em que as crianças ficaram ‘isoladas’ da sociedade durante a pandemia do coronavírus. Sem frequentar creches e escolas e ter proximidade com outras crianças e adultos, esta é a primeira vez que muitas delas estão tendo contato com os vírus do mundo exterior. Sem um sistema imunológico fortalecido, acabam sendo presas fáceis às doenças respiratórias.
“A gente imagina que esse aumento está relacionado aos dois anos de restrição que a pandemia impôs, impedindo a circulação de crianças na sociedade. Os vírus dessas doenças respiratórias não deixaram de existir, só estavam mais difíceis de encontrar por conta de todos os cuidados que estávamos tomando contra o coronavírus. À medida que saímos do isolamento social e dispensamos as máscaras, tivemos esse aumento natural para o inverno, mas que está sendo ainda mais potencializado nas crianças, que, antes, nunca haviam tido contato com essas infecções”, observa.
Número de atendimentos dobrou
O cenário, agora, é o oposto do encontrado durante a pandemia. As crianças, que antes mantinham as melhores taxas de respostas contra a Covid-19 e, no geral, não evoluíam a casos graves, viraram o foco principal das doenças respiratórias. A prova está no número de atendimentos do Hospital Materno Infantil Santa Catarina (HMISC), o único de todo o Sul do Estado que dispõe de médicos pediatras 24 horas por dia. A média mensal saltou de 4 mil atendimentos, para 8 mil.
“Durante a pandemia da Covid-19, as crianças foram afetadas, mas um número muito menor evoluiu para situações que demandavam leitos de UTI. Elas apresentaram uma capacidade de resposta melhor do que os adultos. Os aspectos, agora, estão bem semelhantes devido à outras doenças, com as emergências superlotadas, tanto no sistema privado, quanto nos hospitais públicos. Uma prova disto é o Hospital Materno Infantil Santa Catarina. A demanda dobrou. Não observávamos esse movimento desde 2009, em meio ao surto do H1N1, quando, naquela época, tínhamos toda uma preparação. Desta vez, não sabíamos que teria esse aumento tão expressivo”, destaca.
Bronquiolite é a doença que mais interna bebês
A bronquiolite é a enfermidade mais comum nas crianças que estão procurando o HMISC. Prado esclareceu como a doença responsável pela maioria das internações atuais atua no sistema respiratório dos mais novos.
“É uma doença que inflama os bronquíolos, que estão no final da árvore respiratória, fazendo com que os pacientes tenham dificuldades para respirar. Em alguns casos, é necessária a ventilação mecânica. O antibiótico acaba sendo utilizado quando a bronquiolite acarreta em infecções secundárias, como bactérias. As crianças pequenas estão mais suscetíveis por não terem um sistema imunológico tão fortalecido. O ruim é que, à medida que começamos a nos expor, deixando de lado os cuidados para com a Covid, viramos transmissores de doenças, transportando os vírus para dentro de casa e contaminando as crianças. Nós, adultos, os irmãos mais velhos, ou até mesmo as visitas, podemos levar o vírus até o bebê. Um resfriado comum, para os mais novos, pode virar algo sério e evoluir a quadro grave”, detalha.
De acordo com o cirurgião pediatra, é comum que crianças menores de dois anos tenham, por ano, de seis a oito infecções respiratórias. O fato, tido como normal para o fortalecimento da imunidade, torna-se tormento quando todas as UTIs infantis do Estado estão ocupadas. “É o que faz com que a gente aprenda a lidar com os vírus existentes. O problema é que não pode acontecer tudo ao mesmo tempo, e se nós prevenirmos, vai ajudar bastante. Infelizmente, não temos um remédio que melhore a imunidade. Mas uma boa alimentação, hidratação, manter o ambiente arejado e tomar as vacinas, são reforços que, cientificamente, nos ajudam a nos protegermos”, explica.
Por falar em vacina, o profissional trouxe um dado preocupante. Os índices estão bem abaixos do ideal. A da gripe, disponível para crianças menores de 11 anos, é uma das mais esquecidas. “A gente observa que não só a procura diminuiu entre as crianças, como até pelos próprios pais. A vacina protege não só a nós, mas toda a sociedade. Ao mesmo tempo, no passado, os próprios adultos se vacinavam por medo da H1N1. Hoje, a cobertura é bem inferior. Enquanto a meta era vacinar 90% do público-alvo no Estado, apenas 25% foi atingido. Um percentual baixíssimo, o que acaba expondo os bebês”, pontua.
Vacinas não devem ficar de lado
Na concepção de Prado, é fundamental que quem mantenha contato com crianças esteja com a vacinação em dia. Os cuidados sanitários também devem ser levados como prioridade. “Como adultos, se possível, é importante tomarmos a vacina da gripe. Estaremos protegendo os idosos e as crianças. Em segundo lugar, que nos lembremos de todas as etiquetas que a pandemia do coronavírus nos ensinou. Se evitarmos que crianças pequenas tenham exposição com o exterior, lavarmos bem as mãos quando chegarmos em casa, usarmos máscara, cobrirmos o nariz quando tossir, vamos ajudar a não propagar esses vírus pelo ambiente”, enfatiza.
O risco de o sistema de saúde pública colapsar em Santa Catarina é real. Sem leitos de UTI neonatais e infantis disponíveis, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) trabalha para encontrar vagas em outros estados para os pacientes da fila de espera. Ainda nesta semana, o Governo do Estado deve assinar o decreto de situação de emergência, para facilitar a abertura de novos leitos e dar mais celeridade ao processo. Segundo o anunciado, em até três meses, 68 leitos serão viabilizados em hospitais catarinenses. Até lá, segue a preocupação.
“Eu espero que um colapso não aconteça. O Estado, agora, está fazendo a sua parte, no sentido de entender que esse não é um problema sazonal e que essas UTIs deverão permanecer para sempre. Existe o risco de termos um colapso do sistema de saúde, mas acredito fortemente que nós, como sociedade, conseguiremos tirar as lições e evitaremos aglomerações e contato com as crianças nesse inverno. Também penso que os municípios chamarão a atenção para que o atendimento às crianças aconteça nas Unidades Básicas, com um acompanhamento dos casos respiratórios, o que é muito importante. Se todos tiverem um acompanhamento, vamos evitar que se transformem em casos graves e que evolua a quadro de internação em UTI”, assinala Prado.
Um HMISC para todo o Sul
O HMISC, localizado no bairro Operária Nova, em Criciúma, é a referência máxima de saúde infantil em todo o Sul Catarinense. O local recebe pacientes de Passo de Torres a Imbituba em busca de um atendimento técnico e profissional.
Ricardo Pazini é pai de uma menina de cinco anos e procurou o hospital no final da tarde de ontem, após a filha apresentar sintomas gripais. “Realmente, não havia parado para pensar nisso. Ela ficou dois anos apenas dentro de casa, e essa é a primeira frente fria que pega depois da volta das aulas presenciais. Precisamos ficar atentos”, comenta Pazini, que contou que demorou meia hora na fila até ser atendido.
Morador de Forquilhinha, ele reconhece que, neste tipo de situação, o melhor é sempre levá-la ao HMISC. “Aqui tem dois pediatras, sempre somos muito bem atendidos. A minha filha sofre de arritmia cardíaca, então costumamos vir aqui várias vezes. Nesse sentido, vale muito mais a pena, porque encontramos direto a ajuda especializada”, coloca.
Procura elevada nas Unidades de Saúde
Não são apenas as crianças a ficarem adoecidas nesta época do ano. A queda nas temperaturas também mexe com o sistema imunológico de muitos adultos. Não à toa, as Unidades de Saúde voltaram a receber um movimento acima do normal nos últimos dias. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Próspera, em Criciúma, por exemplo, acumulou dezenas de pessoas no final da tarde de ontem.
Um paciente, que preferiu não se identificar, reclamou da demora para ser atendido. Segundo conta, aguardava a mais de duas horas na fila na espera por uma consulta médica. O diretor-geral da UPA, Fabiano Ribeiro Teixeira, afirmou que a demanda dobrou neste período e que por isso os pacientes precisarão ter paciência.
Com informações de Gustavo Milioli para o site TNSUL