Segurança

Mega-assalto a banco em Criciúma completa um ano com investigações em sigilo, 10 presos e 2 foragidos

Com R$ 125 milhões levados pelos criminosos, autoridades avaliam que este foi o maior roubo da história do Estado.

Divulgação

Com duas investigações sigilosas em curso, dez presos, dois foragidos e recomendações aos órgãos de segurança pública de Santa Catarina, o mega-assalto a tesouraria regional do Banco do Brasil em Criciúma completa um ano na terça-feira (30). Com R$ 125 milhões levados pelos criminosos, autoridades avaliam que este foi o maior roubo da história do Estado.

Na noite do crime, por volta das 23h50, cerca de 30 homens com armas de grosso calibre cercaram a área central da cidade, onde fica o banco, provocaram incêndios, bloquearam ruas e acessos e atiraram várias vezes. Foram feitos reféns (assista ao vídeo acima) e um policial militar foi baleado e segue acamado e sem falar.

Desde então, 18 pessoas respondem na Justiça pelo assalto. Dezesseis foram denunciadas em um processo criminal que apura o crime de organização criminosa. No segundo inquérito, 12 réus (dez deles já citados no primeiro inquérito) respondem pela prática de roubo qualificado com o resultado de lesão corporal grave, dano qualificado e incêndio.

Já há interpelações dos casos em instâncias superiores. Ninguém foi condenado, segundo o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).

1º processo: 16 pessoas respondem pelo crime de organização criminosa; quatro também foram acusadas pelo crime de uso de documento falso. Presos: 16 réus tiveram prisão preventiva decretada. Seis acusados receberam liberdade provisória no início de novembro.

2º processo: 12 pessoas respondem pelos crimes de roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave, dano qualificado e incêndio (dez deles são citados também na primeira ação); dois também foram acusadas pelo crime de organização criminosa. Presos: 12 réus tiveram a prisão preventiva decretada, mas dois estão foragidos.

Em 19 de outubro deste ano, um pedido de habeas corpus protocolado pela defesa de um dos réus no primeiro processo no Superior Tribunal Federal (STJ) mostra que as últimas audiências de instrução e julgamento vão ocorrer até dezembro. No documentos, as datas citadas são: 25/10/2021, 27/10/2021, 01/11/2021, 22/11/2021, 01/12/2021, 06/12/2021 e 07/12/2021.

“Novo cangaço”

A modalidade criminosa empregada no assalto do ano passado em Santa Catarina é chamada por policiais de “novo cangaço”, numa alusão ao histórico bando de Lampião, que levava o medo a cidades do sertão nordestino em 1930.

A prática ocorre em municípios menores, mais afastados das capitais. É o caso de Criciúma, cidade com 217,311 habitantes e distante 206 quilômetros de Florianópolis. Além do impacto econômico, visual, o grupo tem como caraterística assustar os moradores (veja o vídeo abaixo que mostra a atuação).

Para o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública David Marques, a organização dessas quadrilhas é similar a de facções criminosas e de base prisionais. Além disso, com o passar dos anos, elas têm aumentado a força e o nível de especialização.

“O novo cangaço é um crime altamente especializado, e tem se tornado cada vez mais violento em termos de poderio bélico e, para isso, é preciso sempre tentar antecipar, desorganizar esses grupos, prender os seus articuladores e, em não ser possível, que a investigação dessas ocorrências ocorra de forma articulada”, explica Marques.

Conforme a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, assim como o caso de Criciúma, as investigações sobre outros assaltos registrados no país seguem em sigilo. Natália Pollachi, no entanto, afirma que a suspeita é de que as mesmas organizações criminosas do país financiem ou sejam alguns dos responsáveis pelos assalto.

No ataque de Criciúma, dez carros utilizados pelos criminosos e que foram localizados pela polícia eram de luxo e nove foram blindados. Pelo menos três tinham placas de São Paulo. À época, o delegado regional da cidade, Vitor Bianco, afirmou que os carros eram de “alta potência e grande valor comercial”, de marcas como Audi, Land Rover, BMW, Mitsubishi e Volkswagen.

Integrante de facção localizado

Três dias depois do crime, a Polícia Civil prendeu, no Rio Grande do Sul, um dos suspeitos do assalto que pertencia a uma facção que atua dentro e fora de presídios de São Paulo. Em julho deste ano, a defesa do suspeito entrou com um pedido de habeas corpus no STJ, que foi negado.

O documento detalha como o homem foi localizado. Duas mulheres foram abordadas em Criciúma dentro de carro de São Paulo, com registro de diversas viagens entre o estado fluminense e catarinense nos meses que antecederam o crime.

O destino visto no endereço do gps do veículo era uma casa em Gramado, na sera gaúcha. Autorizada busca e apreensão, a polícia encontrou o homem no endereço.

O que foi feito para prevenir novos casos?

Além dos processos criminais em curso, um inquérito civil foi aberto logo após o assalto para questionar o motivo da inexistência de um confronto com a quadrilha ou a tentativa de frustrar o crime. Cerca de quatro meses depois, em abril deste ano, o caso foi arquivado.

O fim do procedimento ocorreu, segundo o MPSC, após a Secretaria de Segurança Pública (SSP) comprovar que já adotava diversas ações no setor que eram similares às recomendações feitas pelo órgão. Veja o que o MPSC recomendou:

Reposição dos cargos vagos nas Polícias Civil e Militar no Estado, mediante a realização de concurso público; nomeação dos aprovados para os cargos de Agente da Polícia Civil e Escrivão da Polícia Civil; aquisição de novas armas longas, coletes balísticos e veículos blindados para o combate ao crime organizado no Estado; adoção de práticas visando maior integração entre as polícias.

Procurada pelo g1 SC, a SSP destacou que já promove diversas ações no setor para reforçar e aprimorar a segurança pública. Segundo o órgão, 522 novos policiais civis foram nomeados entre dezembro de 2020 e novembro de 2021. Além disso, o efetivo da PM conta com 508 novos soldados, 207 novos sargentos e 43 novos oficiais. Há previsão de novos agentes integrarem as equipes também em 2022.

Foram 3.933 novas armas, 193 mil munições e 475 coletes balísticos adquiridos entre dezembro de 2020 e novembro deste ano. Segundo a SSP, a Polícia Militar recebeu 186 novas viaturas em um investimento de mais de R$ 18 milhões. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) também teve repasse de R$ 1,35 milhão para aquisição de novas tecnologias.

Em Criciúma, o tenente-coronel Sandi Muris Sartor destacou que após o assalto houve um aumento dos treinamentos dos policias de radiopatrulhamento, que agora são habilitados e dispõem de fuzis. Na região, os soldados também possuem o mesmo treinamento.

“Foram feitos seminários a nível do comando-geral, com outras polícias, com a Brigada do Rio Grande do Sul, com a PM do Paraná, de São Paulo. Foram feitos alguns encontros técnicos a respeito dessa modalidade de crime”, explicou Sartor.

Comandante do 9º Batalhão da PM afirmou ainda que estão sendo concluídos estudos para a melhoria do espaço, além da instalação de câmeras de monitoramento na região.

“Foram várias as ações realizadas e estão sendo feitas e serão, ao longo prazo, pois tem medida de curto, médio e longo prazo, para conseguir evoluir. Muitas dessas ações em razão do assalto, e outras que já ocorriam naturalmente”, disse.

O que ainda é preciso fazer?

Para o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é importante a adoção de planos de ações de prevenção e repressão imediata a roubos. O especialista cita, por exemplo, a integração entre instituições estaduais e federais.

Além das polícias, David Marques cita a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que pode “construir articulações, planos de ação, repertórios comuns”. Para Marques, a composição de lista de suspeitos deste tipo de crime é um exemplo que pode ser compartilhado entre os órgãos.

“O crime não respeita as mesmas fronteiras que as polícias têm para trabalhar. Daí, a importância de você ter no país uma coordenação nacional pensando a respeito desses problemas que afligem diversos estados, regiões, ou país como um todo”, afirmou o coordenador.

Segundo Guilherme Stinghen Gottardi, presidente da Comissão de Segurança, Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC), para combater o crime é preciso o maior compartilhamento de dados e informações de diferentes instituições.

O especialista enxerga, porém, a ausência de bancos de dados unificados e ações que incluam informações sobre o “modos operandi” dessas quadrilhas. A existência de um sentimento de falta da integração entre as polícias Militar e Civil também dificulta o trabalho.

“Enquanto isso não acontece, mais cidades do interior de todo o país seguem expostas a ação desses grupos criminais adeptos da técnica”, disse.

Apesar das ressalvas, a Secretaria de Segurança Pública reforçou que possuiu um compartilhamento de informações entre as polícias, tanto a nível estadual como a nível federal. Por meio da Diretoria de Inteligência e Informação (DINI), que trabalha no sentido e troca informações, as agências de inteligência da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Instituto Geral de Perícias trocam dados.

“Para modernizar e melhorar ainda mais este trabalho, há no Estado, a previsão de uma regulamentação, por lei, da Criação do Sistema Integrado de Inteligência de SC, que irá normatizar o trabalho já realizado no Estado”, escreveu o órgão.

Armas, munições e explosivos

Para Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, o caminho do armamento usado por essas quadrilhas passa por alguns caminhos. Um deles, aponta a pesquisadora, é o contrabando triangular internacional das armas, que chegam ao Brasil por vias ilegais após sair dos Estados Unidos e, que geralmente, são exportadas aos países da América Latina de forma regular.

Outra via é o caminho encurtado, com até mesmo as armas chegando desmontadas. “O que a gente tem visto mais recentemente, também é o tráfico [de armas] direto, dos Estados Unidos para o Brasil”, explicou.

Natália explica também que os decretos sancionados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as regras para porte e posse de armas puderam contribuir para que armamentos cheguem aos criminosos. A facilidade na importação legalizada de armas, mesmo de maneira minoritária, também é outra forma de aquisição das quadrilhas.

Neste ponto, a gerente do instituto ressalta que existem caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (os chamados CACs) bem-intencionados, que seguem as normas previstas na legislação e usam os armamentos para atividades dentro da regra.

“São grandes quantidades de armas que estão entrando em circulação e aqui a gente vê dois problemas. Um é de pessoas potencialmente mal-intencionadas que comprem já com intenção de desviar. Mas também, outro é de pessoas que compram bem-intencionadas, para praticar tiro, mas a gente está falando de um arsenal muito valioso, que está ficando na casa de pessoas que pode ser facilmente roubado”, comentou.

As munições que chegam nas mãos dos criminosos têm origem de desvio de forças de segurança ou contrabando. Já os explosivos, similares aos usados em Criciúma, e que foram deixados pelos assaltantes no caminho, podem ser provenientes de desvios de empresas de construção civil, mineradoras ou fabricação caseira (veja o vídeo abaixo).

“Nesse ponto, acho importante mencionar também que, junto com esses decretos que facilitaram o acesso às armas de fogo, também foi bastante facilitado o acesso da munição, e também a pólvora, a principio para fazer recarga de munição”, explicou.

Procurado pelo g1 SC, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Criciúma, que faz parte da força-tarefa designada para acompanhar o assalto, informou que não foi identificada a origem das armas e explosivos usados no assalto.

Natália destaca também que, nas investigações recentes, as polícias começaram a fazer a chamada “comparação balística”, que verifica se há conexão entre um cano de uma arma encontrado em um lugar do país com um projétil ou estojos deixados por criminosos após ações do “novo cangaço”.

“A recuperação e a investigação sobre essas munições que ficam para trás é importante para dar esse tipo de pista e falam também sobre a possibilidade de não serem as mesmas pessoas [atuando em mais de um assalto], mas de ter um grupo por trás que ‘aluga’ essas armas”, disse.

Questionamentos

O g1 SC questionou a Polícia Militar sobre o número de efetivo atual e no mesmo período do ano passado. Em resposta, a corporação disse que há em torno de 10 mil policiais na ativa. Quanto ao déficit de efetivo, a entidade disse que vem trabalhando para aumentar, respeitando a lei de responsabilidade fiscal. O total de vagas que precisam ser preenchidas não foi repassado.

A mesma pergunta foi feita à Polícia Federal, que informou que o quantitativo, distribuição, localização e mobilização de servidores estão protegidos por sigilo. Já a Polícia Civil reforçou que 522 novos servidores entraram no Estado e que, em outubro deste ano, o efetivo era de 3.551 policiais.

“A lei 453, que rege a PCSC, não viabiliza que o concurso público consiga abastecer em uma única oportunidade a quantidade de vagas que não estão preenchidas em um presente momento. Ou seja, a porta de acesso em um concurso público com a atual sistemática no máximo permite para a carreira, por exemplo, dos agentes de Polícia, que o concurso abranja no máximo 875 vagas”, informou em nota.

A reportagem também procurou o Banco do Brasil. Em nota, a instituição informou que segue colaborando com as investigações das autoridades policiais, a quem cabe prestar mais informações sobre a ocorrência. O valor recuperado não foi divulgado.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) também foi procurado. Para o órgão, a entidade questionou sobre o processo envolvendo as pessoas que foram presas após serem flagradas furtando as notas de dinheiro que ficaram caídas nas duas da cidade após o assalto. O questionamento não foi respondido.

Com informações do G1 SC

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