As afirmações do religioso estavam na contramão do que é da ciência e do que é recomendado pelos órgãos de saúde.
Os movimentos antivacina estão crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil, que sempre foi exemplo internacional. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), nos últimos seis anos, o Brasil aparece como um dos países que mais regrediu no índice hoje de pouco mais de 70% de cobertura para difteria, tétano e coqueluche, por exemplo.
Com a Covid-19, e na busca pela imunização das pessoas, algumas vacinas foram desenvolvidas em diversos países e no Brasil não foi diferente. No último dia 24, em uma celebração na paróquia São Miguel Arcanjo, em Pedras Grandes, o padre Claudemir Serafim, associou a produção de vacinas contra a doença ao aborto e citou supostos efeitos colaterais. Assim desestimulou a imunização.
As afirmações do religioso vão na contramão do que é da ciência e do que é recomendado pelos órgãos de saúde. Na missa, o pároco disse que a vacina não é a salvação para enfrentar o coronavírus. “O vírus não é católico. Porque odeia o nosso Senhor e tem fechado as igrejas. E a salvação, para a nossa vida, nossa alma, não está na vacina. Há vários problemas morais em relação à própria vacina, que está comprovado que é feita com fetos abortados, dos milhões de abortos, muito mais elevados que as mortes por coronavírus do mundo”, afirmou.
Nesta quarta-feira (3), um dia após a repercussão das imagens da celebração transmitida via internet, a Diocese de Tubarão, responsável pela paróquia que o padre Claudemir trabalha, se posicionou contra as palavras do religioso “A vacina, pela qual esperamos tanto, é um dom em favor da vida. Não devem ser divulgadas notícias desvirtuadas ou falsas. Ninguém está autorizado a passar ao povo, em nome da Igreja, orientações diferentes, nem mesmo que seja um padre”, diz a nota assinada pelo bispo da Diocese Dom João Francisco Salm.
Depois do posicionamento da Diocese, o sacerdote do município da Amurel se retratou em nota. “Diante da repercussão causada por conta de uma parte do sermão por mim proferido no último dia 24 de janeiro; depois de exortado pela Autoridade Diocesana; depois de ter consultado pessoas próximas e o diretor espiritual; depois de ter rezado a Nosso Senhor e em paz com minha consciência; venho a público declarar o seguinte:
1. RETIRO TOTALMENTE minha fala sobre o fato de as vacinas terem sido feitas de fetos abortados. DECLARO-A EQUIVOCADA.
2. Peço perdão ao bispo Diocesano, aos meus fiéis e a todas as pessoas que sofreram com dúvidas no uso das vacinas, ou ofendidas com isso.
3. Declaro, por conseguinte, que não pus em xeque a eficácia das vacinas.
4. Agradeço as manifestações de carinho dos meus paroquianos e a todos quantos, bem como os que se posicionaram contrariamente”, pontuou.
Bioquímica de Tubarão explica o processo de produção de vacina
A bioquímica Fabiana Schuelter Trevisol conta que as vacinas contra a COVID-19 são feitas de formas diferentes, pois usam tecnologias diferentes a relatadas. Contudo, nenhuma utiliza tecidos humanos ou fetos abortados para seu desenvolvimento. Segundo ela, toda pesquisa clínica no desenvolvimento de medicamentos ou vacinas precisa respeitar os princípios bioéticos internacionais, e seu registro para uso em seres humanos será concedido apenas mediante evidência comprovada de eficácia e segurança.
Hoje o Brasil depende ainda do envio da matéria-prima usada para preparar a vacina, isto é, a sua substância fundamental, que é chamada de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). “A CoronaVac tem como substância essencial o novo coronavírus inativado, ou seja, morto. O que se faz é coletar amostras de pacientes com COVID, isolar o vírus e inativá-lo. A partir desse IFA é que a vacina é preparada. No caso da CoronaVac o insumo vem da China. Já o insumo do imunizante de Oxford, que tem parceria com a Fiocruz, é o adenovírus de chimpanzé recombinante, um vírus que foi enfraquecido e modificado com partes específicas do novo coronavírus, que está sendo enviado da Índia”, explica.
A bioquímica detalha que o vírus é cultivado nas células de rins de macaco, já disponíveis no mundo inteiro, ninguém mata o animal. Depois, é preciso matar o vírus, com calor ou algum reagente químico. Na CoronaVac, é usado o reagente beta-propiolactona. “Além do IFA, toda vacina tem em sua composição água esterelizada – para dissolver todos os componentes utilizados – e adjuvantes, substâncias que aceleram e potencializam o efeito dos imunizantes. Outros ingredientes comuns são os conservantes, estabilizantes e antibióticos”, cita.
A CoronaVac, por exemplo, usa o hidróxido de alumínio como adjuvante e não contém antibióticos ou conservantes. Ela possui apenas estabilizantes: sais que servem para ajustar seu pH, impedindo que fique ácida. “Outras vacinas ainda não disponíveis no Brasil, com a da Pfizer e da Moderna, são vacina de RNA que são sintetizadas em laboratório, sem necessitar de outros vírus ou células de animais na sua produção”, detalha.
Com a transferência de tecnologia para o Brasil, tanto para o Butantan (no caso da Coronavac) como para a Fiocruz (Oxford), o país poderá produzir as vacinas em solo brasileiro. Hoje, esses institutos apenas recebem o IFA, diluem, fracionam, e preparam as doses (frascos) e rotulagem. “Relevante ressaltar que não há nenhum tratamento específico que cure a COVID-19, portanto, além das medidas comportamentais, a vacina é uma prevenção capaz de terminar com a pandemia que enfrentamos desde 2020, e que já infectou mais de 100 milhões de pessoas no mundo e matou mais de 2 milhões de pessoas em apenas 1 ano”, observa.
Em breve, espera-se que haja vacinas para toda a população, e somente quando a maior parte das pessoas for imunizada o vírus deixará de ser transmitido efetivamente. A vacinação é considerada a melhor medida custo-efetiva em termos de saúde pública para o combate às doenças infecciosas.
Com informações do site Notisul