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55 pessoas morreram em 20 dias nas rodovias de Santa Catarina

Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinense

De moto, Lourival Martendal percorre o curto trajeto entre uma borracharia, na beira de uma das retas da BR-282, em Alfredo Wagner, até a primeira curva do trecho, no Km 105. Parado no acostamento, mal retirou o capacete da cabeça quando começou a chover forte. O asfalto molhado recriou a cena que o agricultor gravou na memória. Há menos de um mês, ele presenciou o acidente que matou três pessoas da mesma família _ entre elas, um bebê em gestação e uma menina de 12 anos.

Na tarde de 29 de dezembro, o carro em que as vítimas estavam saiu da pista e se chocou de frente com um ônibus de viagem que ia de Florianópolis para Lages. No local, ainda há vestígios da colisão, como pedaços de lataria e faixas de isolamento.

— O carro se perdeu na curva e uma caminhonete veio e bateu atrás. Na hora, não deu nem para saber de onde era o veículo. Tinha que ter mais fiscalização. Aqui não tem aquelas tartarugas na estrada para causar algum barulho no pneu. Já fui daqui até Florianópolis em feriado e só na ida vi três carros de pernas para cima — lembra.

As três vítimas estão entre as 55 mortes registradas nas rodovias federais e estaduais de Santa Catarina entre 22 de dezembro de 2017 e 10 de janeiro deste ano, uma média de quase três casos por dia. O número faz parte do levantamento realizado pela NSC Comunicação no período de festas de fim de ano.

A BR-282 concentrou, sozinha, 30% das ocorrências.

A 200 quilômetros do local mostrado por Martendal, também em uma curva, Graziele dos Santos, 30 anos, esfrega a mão no braço para espantar o calafrio. Apesar da chuva que insiste em cair na cidade de Vargem, na Serra, o desconforto não é causado pelo frio, mas por lembranças de uma tragédia.

A curva fechada, que se torna escorregadia em dias de chuva, ostenta um asfalto de cor cinza-escuro com faixas amarelas visíveis e tachões refletivos, diferentemente de outros quilômetros da BR-282, que, às vezes, sequer têm acostamento. Mas a sinalização não foi suficiente para evitar a morte de seis pessoas da mesma família, incluindo o bebê e outro em gestação, na noite de 2 de janeiro deste ano.

— Deveria mesmo duplicar essa estrada aqui. Há casos que são por imprudência, mas a maioria é por causa de buracos na estrada. A pessoa vai desviar e acaba se acidentando — analisa o caminhoneiro Eliel Veiga, 38, que há oito trafega por cerca de 10 horas diárias pela BR-282, entre São Miguel do Oeste e São Bento do Sul, transportando colchões.

As memórias, relatos e críticas de testemunhas como Martendal, Graziele e Veiga descrevem um problema crônico de Santa Catarina: o mau estado das estradas, somado à imprudência de motoristas, faz dezenas de vítimas todos os anos.

Pista simples aumenta riscos de colisões

Mesmo concentrando o maior número de mortes em acidentes no período levantado pela reportagem, a BR-282 não é considerada a mais perigosa do Estado. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, a BR-470, no Vale do Itajaí, registra alta taxa de óbitos em um trecho mais curto – tem 350 quilômetros, metade da outra rodovia que sai da Grande Florianópolis até o Oeste.

— É um período muito curto para análise. Em outros intervalos específicos do ano, a rodovia 470 tem mais acidentes com mortos do que a 282, que é uma estrada muito perigosa. É a federal mais extensa de Santa Catarina e tem quase todo o seu percurso em pista simples. Mas, em números absolutos, anualmente, temos mais mortes na BR-101, seguida da 282 e da 470. Proporcionalmente, os acidentes das BRs 282 e 470 são mais graves do que os da BR-101 — analisa o inspetor do Núcleo de Comunicação Social da PRF/SC, Carlos Possamai.

Trechos mais perigosos entre Palhoça e Santo Amaro

De acordo com o agente federal, considerando dados de 2012 até 2016, os trechos mais perigosos da 282 estão em Palhoça, na Grande Florianópolis, entre a BR-101 e Santa Amaro da Imperatriz, o que demonstra um segmento crítico.

Os demais quilômetros tidos como pontos graves são em Rancho Queimado e Alfredo Wagner, região onde um dos acidentes mais violentos foi registrado em 29 de dezembro. Ainda segundo a polícia, o trecho próximo ao trevo de acesso a Chapecó, na altura do Km 532, também é considerado um dos mais perigosos.

Já na malha viária estadual, conforme o tenente-coronel da Polícia Militar Mauro Palma Rezende, chefe da seção operacional do comando de policiamento rodoviário em Florianópolis, a SC-108 é a que mais teve acidentes com vítimas fatais. Só entre dezembro e janeiro, conforme o levantamento feito pela reportagem, três pessoas perderam a vida nesta estrada.

— Ela é também a mais extensa rodovia estadual, com 438 quilômetros de Joinville até a divisa com o Rio Grande do Sul. Isso torna difícil uma análise sobre a mortalidade, pois estradas bem menos extensas apresentam, proporcionalmente, mais mortes por quilômetro — pondera.

Dados oficiais mostram número menor de mortes

Os acidentes de trânsito nas rodovias federais e estaduais tiraram a vida de 113 pessoas em Santa Catarina entre 1o de dezembro de 2017 e 23 de janeiro deste ano. O número, que já é considerado expressivo e representa um aumento de 21,5% em comparação com o mesmo período da temporada anterior, poderia ser ainda maior. Isso porque as polícias rodoviárias militar (PMRv) e federal (PRF) contabilizam apenas dados de mortes instantâneas, sem considerar vítimas que chegaram a ser atendidas no hospital.

Por exemplo, entre 22 dezembro de 2017 e 10 de janeiro deste ano, a reportagem levantou que 55 pessoas morreram em rodovias do Estado, sendo que 17 delas chegaram a ser socorridas. Mas as duas polícias registraram 35 mortes no mesmo período.

Estaduais registram acréscimo de 69%

Apesar de aumentar o número de óbitos entre o final do ano passado e começo deste, a quantidade de acidentes teve alta de menos de 1% – 2.817 para 2.822. Se forem considerados apenas os trechos das rodovias estaduais, o aumento na quantidade de óbitos no período é de 69,5%, de 23 para 39 casos. As colisões, porém, cresceram apenas 5%.

— Os acidentes estão mais graves, e o principal ponto para o aumento da gravidade é a velocidade. Quanto maior, maiores são os danos materiais e físicos — justifica o tenente-coronel da PM, Mauro Palma Rezende.

Em 36 acidentes, três pessoas foram presas em Santa Catarina

Batidas de frente e saídas de pista causadas, principalmente, por velocidade incompatível com a via, ingestão de álcool e falta de atenção do motorista foram as principais causas dos acidentes com morte registrados no levantamento feito pela NSC Comunicação entre 22 de dezembro de 2017 e 10 de janeiro deste ano. Dirigir após ter bebido, por exemplo, é a segunda maior causa. Ao todo, 12 das 55 mortes tiveram como provável causa a embriaguez ao volante. No período, três pessoas foram detidas.

O número baixo de prisões se deve a uma série de circunstâncias legais previstas no Código de Trânsito Brasileiro, conforme explica o tenente-coronel da Polícia Militar Mauro Palma Rezende, que chefia a seção operacional do comando de policiamento rodoviário em Florianópolis.

No ano passado inteiro, aponta, 793 pessoas foram detidas pelo policiamento rodoviário e encaminhadas para delegacias. A maioria delas, 473, foi por embriaguez ao volante, muitas envolvidas em acidentes.

Nesse cenário, o oficial da PM pontua que dos 11 crimes tipificados na legislação de trânsito, em apenas dois cabem prisão em flagrante, os demais são tipificados como crimes de menor potencial ofensivo. Além disso, mesmo nos casos de prisão em flagrante, se o condutor prestar socorro à vítima, explica Rezende, não cabe flagrante. Conforme a Polícia Civil, 1.472 pessoas foram encaminhadas para delegacias após se envolverem em acidentes de trânsito com morte em 2017 – não há estatísticas sobre quantas permaneceram detidas.

PM diz que autua motoristas por embriaguez, mas eles são liberados

Além das garantias legais, outro ponto que interfere nas estatísticas de presos por crime de trânsito em Santa Catarina são burocracias internas. O tenente-coronel Ricardo Alves da Silva, que comanda o 2o Batalhão da Polícia Militar de Chapecó e também atua na câmara temática do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), explica que, desde 2012, os policiais militares podem lavrar um auto de constatação quando o condutor se recusa a fazer o teste do bafômetro, mas há algum sinal de alcoolemia. No entanto, ao ser levado para uma delegacia, essa pessoa costuma ser liberada.

— A PM e a PMRv têm autuado uma série de condutores, mas o que ocorre é que, com a recusa, a gente lavra um auto de constatação e este documento é encaminhado para a Polícia Civil, que acaba não o aceitando e chama o perito do Instituto-Geral de Perícias. Até a vinda do profissional, muitas vezes, o efeito da substância alcoólica ingerida já passou. Então, aquele condutor acaba não tendo lavrada a prisão em flagrante por causa desse lapso de tempo — explica.

A Polícia Civil, em contrapartida, afirma que nesses casos em que o motorista se recusa a fazer o teste, a regra é o delegado encaminhar a pessoa para um exame clínico, “que será realizado no ato”, permitindo concluir a análise e tomar as medidas legais. Na delegacia, o motorista envolvido em um acidente com morte é liberado quando se classifica em três situações, como “quando a conclusão do delegado de polícia, verificados os requisitos legais, não agiu dolosamente, ou seja, com intenção de causar o acidente, quando pagar a fiança estipulada pelo delegado, ou por ordem judicial”.

Por fim, a Polícia Civil, por meio da assessoria de imprensa, explica que o motorista permanece detido quando o delegado conclui que a pessoa teve intenção ou assumiu o risco de matar. Nessa situação, o delegado autua o suspeito por homicídio doloso e o encaminha para o presídio após passar pelo juiz.

Entrevista: a segurança da via deve ser pensada desde o projeto inicial

Doutora e engenheira civil formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, Camila Belleza Maciel Barreto atua no Laboratório de Transportes e Logística como coordenadora técnica de projetos desenvolvidos em parceria com o Programa Internacional de Avaliação de Rodovias.

De maneira geral, as estatísticas contribuem para indicar qual local precisa de mais atenção, como fiscalização? 

Os dados de acidentes, além de apresentarem um diagnóstico das condições de segurança de uma via, indicam quais locais merecem mais atenção. Os trechos em que mais ocorrem acidentes, designados como locais concentradores de acidentes, apresentam um importante parâmetro para o planejamento de ações, incluindo a de engenharia, fiscalização e educação.

 A velocidade incompatível com a via seria a principal causa dos acidentes neste período levantado pela reportagem. De que forma seria possível atuar para reduzir esse índice?

A ocorrência de acidentes se dá em função de uma combinação de fatores, podendo ser agrupados em fator humano, veicular ou viário-ambiental. Diversos estudos apontam que o fator humano está relacionado a 90% da ocorrência dos acidentes. No entanto, a gravidade tem influência direta dos demais fatores. Por exemplo: se um motorista está trafegando a uma velocidade acima da regulamentada da via, perde o controle do veículo em uma curva e na lateral da via, próximo ao acostamento, há um obstáculo fixo, como um poste ou árvore. Apesar de o fator estar relacionado diretamente ao comportamento do motorista, devido ao excesso de velocidade, a gravidade do acidente será influenciada pelo elemento viário-ambiental. Sem o obstáculo fixo, poderia ser um acidente com ferido, e não fatal.

Partindo desse raciocínio, na semana passada percorremos toda a BR-282. Identifiquei que a maioria dos trechos era de curvas em subidas/descidas, mas que a rodovia era sinalizada, principalmente com placas. O que mais poderia ser feito nesses pontos para evitar colisões violentas? 

O conceito de “vias que perdoam”, difundido em diversos países com baixos índices de acidentes, visa mudar a postura das autoridades e engenheiros, no sentido de não somente culpar os motoristas pela ocorrência de colisões, mas aceitar que todas as pessoas cometem erros e que eles não podem custar a sua vida. A partir disso, a segurança de uma nova via deve ser pensada já na fase inicial, desde o projeto geométrico, com a definição de traçados mais seguros, ao de sinalização e dispositivos de segurança. Em vias já existentes, uma auditoria de segurança viária deve ser realizada, avaliando todas as características que possam gerar ou agravar um acidente, incluindo condições do pavimento e sinalização, e indicar medidas de engenharia para melhoria das condições de segurança viária do trecho analisado.

Segundo a PRF, Santa Catarina é o terceiro Estado com maior número de acidentes (10,6 mil no ano passado), sendo que houve 380 mortes, ficando atrás de MG e PR. O que é possível fazer para reduzir esse índice?

A ocorrência de acidentes está sempre relacionada a um conjunto de fatores. As características do relevo de Santa Catarina, associadas a algumas características físicas das rodovias, conhecidas por serem mais inseguras, como trechos em curvas e estradas de pista simples, são fatores que contribuem para a recorrência de acidentes. Essas características, combinadas a um elevado volume de tráfego, agravam a situação. Além disso, de acordo com a Pesquisa CNT de Rodovias 2017, 63,7% das rodovias de SC, incluindo federais e estaduais, foram classificadas como regular, ruim ou péssima.

Seria possível implementar alguma ação efetiva para segurança rodoviária em SC? 

A segurança viária deve ser desenvolvida em três pilares: educação, engenharia e fiscalização, de acordo com o parágrafo 10 do artigo 144 da Constituição Federal. Ações conjuntas e integradas nessas três frentes são imprescindíveis. Além disso, os trabalhos não devem ser somente pontuais ou esporádicos, mas continuados, de forma a mudar o comportamento dos usuários e oferecer vias mais seguras a todos: pedestres, ciclistas, motociclistas e ocupantes de veículos.

Contrapontos

O que diz o Deinfra

Questionado sobre obras em andamento nas 13 rodovias estaduais (SCs) onde foram registrados acidentes com morte no período entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o Departamento Estadual de Infraestrutura informou que, atualmente, não há registro de obras em apenas cinco estradas – 154, 350, 445, 480 e 280A. Três rodovias (SC-492, SC-283 e SC-100) têm obras de pavimentação, implantação e restauração concluídas recentemente. Outros três trechos têm obras em execução, sendo elas a SC-370, em dois pontos, SC-283 e SC-112. Já a 108, de Nova Trento a Brusque, e a SC-421, no trecho Pomerode a Blumenau, estão com projetos de restauração e recuperação prontos.

O que diz a Secretaria de Estado do Planejamento

Por meio da assessoria de imprensa, a secretaria, que é responsável pelos investimentos feitos nas rodovias catarinenses por meio do Pacto por Santa Catarina, informou que, atualmente, oito estradas estão com obras de restauração e revitalização em andamento ou concluídas recentemente, sendo elas as SCs 480, 445, 406, 370, 283, 112, 100 e 108.

Ainda afirmou que “vem discutindo com o governo federal alternativas para melhorar a capacidade da malha rodoviária catarinense” e que, nesse contexto, “os estudos conjuntos que estão sendo finalizados para futuras concessões de segmentos rodoviários federais, integrados com rodovias estaduais, têm demonstrado ser uma alternativa viável e economicamente exequível”.

O que diz o dnit

Está em andamento um programa denominado BR-Legal, que dá destaque a serviços de sinalização, tanto horizontal como vertical. Também informou que pontuou a restrição orçamentária como fato de impedimento para “a plena execução dos contratos de acordo com os cronogramas iniciais”.

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